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domingo, 14 de fevereiro de 2021

Escrito por em 14.2.21 com 0 comentários

Flag Football

Se é que alguém ainda não sabe, o futebol americano é meu esporte favorito. Foi o primeiro esporte que virou post aqui no átomo, e de vez em quando eu sinto vontade de falar mais alguma coisa sobre ele, o que já resultou nos posts sobre futebol americano universitário, arena football e futebol canadense. O flag football, que infelizmente não tem nome em português, é uma versão do futebol americano no qual não há contato, e faz uns dois anos que eu penso em escrever sobre ele; recentemente, essa vontade aumentou porque o flag football será um dos esportes convidados nos World Games de 2022, que ocorrerão em Birmingham, Alabama, Estados Unidos. Hoje, como vocês já devem ter imaginado, essa vontade finalmente vai virar um post. Hoje é dia de flag football no átomo!

Sendo um derivado do futebol americano, a história do flag football está ligada à história deste. Tudo começou em 1905, quando o presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, preocupado com a violência que imperava nos jogos universitários de futebol americano - que chegou a resultar até mesmo na morte de jogadores durante as partidas - decidiu criar um órgão regulador para alterar as regras do esporte, de forma a preservar a vida e a integridade física dos jogadores. Fundado em 1906, esse órgão, chamado Associação Atlética Intercolegial dos Estados Unidos (IAAUS), não somente introduziu vários equipamentos obrigatórios (embora ainda pouco eficientes se comparados com os de hoje em dia), como o capacete e as ombreiras, como também proibiu várias jogadas que considerava perigosas e passou a considerar falta comportamentos que até então eram comuns. Foi a partir da intervenção da IAAUS, inclusive, que o futebol americano passou a ficar cada vez mais diferente do rugby, até se tornar um esporte com suas próprias características.

Acontece que há um detalhe importante nessa história: a IAAUS só mandava no futebol americano universitário, ou seja, se alguém fora do âmbito universitário quisesse jogar de acordo com as regras "antigas", ela não podia fazer nada. Quando a primeira liga profissional de futebol americano, a NFL, foi criada, em 1920, eles decidiram basear suas regras nas da NCAA (nome que a IAAUS adotaria em 1910, e que usa até hoje) não somente porque seus atletas já estavam mais acostumados com elas, mas também para evitar problemas pelo excesso de violência do jogo, mas, ainda naquela época, quase quinze anos após a fundação da IAAUS, muitos jogos amadores ainda permitiam que seus times seguissem as regras mais violentas, por assim dizer, e que seus jogadores não usassem nenhum equipamento de segurança.

Isso, como vocês devem imaginar, trazia problemas, pois ninguém queria se contundir seriamente em um jogo amador, o que poderia fazer com que os contundidos tivessem de parar de trabalhar ou precisar de atendimento médico caro, numa época em que os Estados Unidos não estavam exatamente passando por um período de pujança econômica. Assim, muitas das ligas amadoras, não querendo seguir as regras da NCAA, principalmente por causa dos equipamentos de segurança, que também eram caros, começaram a criar suas próprias regras, muitas permitindo ainda menos contato físico que as da NCAA. Infelizmente, por falta de registros históricos, não sabemos exatamente como seriam essas regras, mas o primeiro registro de um jogo de futebol americano sem contato físico data de 1933, ano no qual um torneio de touch and tail football foi realizado na cidade de Nova Iorque.

O flag football como é disputado hoje seria inventado alguns anos depois, durante a Segunda Guerra Mundial. Na época, muitos dos soldados norte-americanos jogavam futebol americano, e as partidas eram seu principal passatempo enquanto eles estavam aquartelados aguardando o chamado do dever. A questão é que não somente eles não tinham acesso aos equipamentos de segurança, como também os comandantes não ficavam muito animados com a possibilidade de um soldado se contundir durante um jogo e não poder mais combater, de forma que a melhor solução foi praticar as versões do jogo sem contato físico. Em 1940, na base de Fort Meade, em Maryland, os soldados inventariam uma versão na qual um lenço ou outro pedaço de pano ficava no bolso de trás da calça, e, para que fosse caracterizado o tackle - o ato de derrubar o jogador, que interrompe a jogada - bastava retirar esse lenço do bolso do oponente - em outras palavras, quando o lenço era retirado, significava que o jogador foi "derrubado", e a jogada acabava naquele ponto. O apelido desse lenço era flag ("bandeira", em inglês), e, por isso, o novo esporte ficaria conhecido como flag football.

De Fort Meade, o flag football se espalharia por outras bases norte-americanas, e, conforme os soldados eram dispensados e voltavam para casa, levavam suas regras com eles. Nas décadas de 1940 e 1950, surgiriam várias ligas de flag football por todo o país, e, na década de 1970, o círculo seria fechado com a chegada do flag football às universidades. Como o flag football não era (e não é até hoje) um dos esportes oficiais da NCAA, os universitários o praticavam de forma recreativa, durante os intervalos das aulas, mas, em 1979, jogadores de várias universidades decidiriam se unir e disputar um campeonato, do qual todos os jogos foram disputados na Universidade de Nova Orleans. O torneio foi um grande sucesso, e, dois anos depois, seria disputado o primeiro campeonato universitário de flag football, com dezenas de times, várias fases, e a fase final sendo disputada em um estádio na cidade de Shreveport, Louisiana. Tudo isso, vale lembrar, de forma totalmente amadora, e sem nenhum apoio da NCAA.

Vale dizer também que, embora o flag football crescesse cada vez mais em popularidade, ele não era a única versão do futebol americano sem contato físico a ter ligas em disputa nos Estados Unidos. Em 1960, por exemplo, seria fundada, na cidade de St. Louis, Missouri, a National Touch Football League, uma liga semiprofissional de touch football, versão do esporte no qual era necessário apenas tocar no adversário para que o tackle fosse caracterizado, sem qualquer tipo de pano precisando ser removido. A NTFL cresceria em popularidade nos anos seguintes, e organizaria seu primeiro campeonato nacional em 1971. Em 1988, a NTFL ainda tinha um disputado campeonato de touch football, quando um de seus diretores regionais, Jeff Anderson, tomou uma decisão surpreendente: saiu da NTFL e fundou a United States Flag & Touch Football League (USFTL), uma liga semiprofissional de flag football, cujas regras eram baseadas nas da NTFL, mas usando as flags.

Desde a fundação da USFTL (que ainda existe, aliás), o flag football cresceria imensamente em popularidade, com cada vez mais jovens descobrindo no flag football uma forma de disputar seu esporte preferido sem os caros equipamentos de segurança e com muito menos possibilidades de lesões e contusões. Essa popularidade levaria à fundação de outras ligas, como a American Flag Touch Football League, fundada em 1991, e a Professional Flag Football League, primeira a contar com times profissionais, fundada em 1997. Fora dos Estados Unidos, as primeiras ligas surgiriam na Ásia, com as do Japão, China, Filipinas e Vietnã surgindo ainda na década de 1990; as primeiras ligas europeias surgiriam nos anos 2000. Nem todas essas ligas, porém, usam as mesmas regras da USTFL, o que faz com que hoje não exista uma única versão do flag football, e sim várias, com diferentes números de jogadores por time, possibilidade ou não de chutes, maior ou menor contato físico permitido, e até mesmo diferentes tamanhos de campo. Até mesmo a NFL criou sua própria versão das regras, baseadas nas do futebol americano profissional, não para organizar seu próprio campeonato, mas como parte de um acordo com a NAIA, organização universitária semelhante à NCAA, segundo o qual as universidades filiadas à NAIA, em um futuro próximo, usarão essas regras para torneios universitários de flag football.

Internacionalmente, a principal entidade reguladora do flag football é a IFAF, a Federação Internacional de Futebol Americano, fundada em 1998 para regular o futebol americano, com regras semelhantes às da NCAA, em todo o planeta; a IFAF hoje conta com 105 membros, incluindo o Brasil, e, além do Campeonato Mundial de Futebol Americano, disputado no masculino a cada quatro anos desde 1999, organiza o Campeonato Mundial de Flag Football, disputado no masculino e no feminino a cada dois anos desde 2002 - no masculino, os Estados Unidos são os maiores campeões, com quatro títulos, seguidos de Áustria com três, e França e Canadá com um cada, mas no feminino o maior campeão é o México com três títulos, seguido do Canadá com dois, e de Estados Unidos, França, Panamá e Suécia com um cada. As regras que eu vou abordar nesse post são as da IFAF, que são as usadas nos jogos disputados aqui no Brasil, e podem ter algumas diferenças em relação às que serão usadas nos World Games, que serão as da NFL. Para efeitos de economia, assim como eu fiz com o futebol canadense, só vou falar do que é específico do flag football; o que eu não falar aqui é idêntico às regras do futebol americano "normal".

O campo do flag football tem 25 jardas (22,9 m) de largura por 70 jardas (64 m) de comprimento, sendo que, de cada lado, 10 jardas (9,15 m) são as end zones, sobrando 50 jardas (45,7 m) para a efetiva área de jogo. O campo é dividido no meio, e as últimas 5 jardas (4,575 m) de cada lado, antes de cada end zone, são demarcadas por uma linha pontilhada, e constituem as no running zones; a única marcação além dessas são as "linhas de dois pontos", pequenas linhas de 1 jarda (90 cm) de comprimento localizadas a 12 jardas (11 m) de cada end zone. Não há necessidade de marcação no campo a cada jarda, e, para jogos internacionais, a IFAF exige que pelo menos 3 jardas (2,74 m) em todas as direções ao redor do campo sejam livres de qualquer obstáculo, consistindo em uma zona de segurança - o que faz com que o tamanho total do campo seja de 31 jardas (28,4 m) de largura por 76 jardas (69,55 m) de comprimento. Todas as linhas que marcam o campo devem ter 10 cm de largura.

Cada time é composto por 12 jogadores, sendo que apenas 5 estão em campo de cada vez, sendo os outros 7 os reservas; as substituições são ilimitadas e podem ser feitas a qualquer momento em que a bola não esteja em jogo. Como não há necessidade de equipamentos de proteção, o uniforme é semelhante ao do futebol, consistindo de camisa de mangas curtas, calção, meias e chuteiras, com luvas sendo opcionais. O principal item do uniforme, porém, é um cinto especial, chamado flag belt, que conta com duas presilhas próprias para as flags, uma do lado esquerdo e uma do lado direito do corpo do jogador. As flags são feitas de lona, têm 38 cm de comprimento por 5 cm de largura, e devem ser de cor que contraste com o calção dos jogadores - todos os membros de um mesmo time devem ter flags da mesma cor, e cada time deve ter flags de uma cor diferente. As presilhas das flags possuem um encaixe especial com o qual elas ficam penduradas e se balançando, não podendo cair pelo movimento do corpo do jogador, mas sendo arrancadas com um mínimo esforço - basta segurar nelas que elas se soltam.

Assim como no futebol americano, um dos times ataca enquanto o outro defende. A jogada começa com um snap do time que está no ataque, com um dos jogadores passando a bola por baixo de suas pernas para o quarterback, que então terá 7 segundos para passá-la ou entregá-la para outro jogador, que tentará correr com ela; só pode haver um passe para a frente por jogada, mas os passes para os lados e para trás são ilimitados. Não pode haver nenhum contato físico, nem mesmo para bloqueio; a principal forma de evitar que um jogador chegue a outro lugar, portanto, é simplesmente ficar no caminho dele para forçá-lo a desviar e criar a oportunidade para que alguém puxe sua flag. Só é permitido puxar uma flag de um jogador que tem a posse da bola; basta que uma das duas flags dele se solte do cinto para que ele seja considerado derrubado e a jogada seja interrompida - caso uma das flags de um quarterback seja arrancada enquanto ele está com a bola nas mãos, a jogada conta como um sack. Os jogadores podem se esquivar e girar para evitar que um oponente arranque suas flags, mas não podem se utilizar de contato com o corpo do outro jogador para isso (como bater em sua mão ou segurar seu braço), nem tentar esconder as flags com partes de seu uniforme (colocando-as para dentro do calção, por exemplo).

Cada time tem quatro descidas para tentar avançar a bola 10 jardas, ganhando uma nova série de quatro descidas cada vez que consegue. Não há punt, com a posse de bola mudando de time automaticamente ao final da quarta descida. Toda primeira jogada de ataque de um time começa da sua linha de 5 jardas (ou seja, também não há kick off), e não do ponto de onde a bola estava quando a quarta descida não foi bem sucedida; somente em caso de interceptação o time que estava na defesa começa seu ataque de onde a bola estava quando a jogada terminou. A cada descida, o time que está defendendo deve ficar a no mínimo 5 jardas da linha de scrimmage, não podendo os dois times ficarem "coladinhos" como no futebol americano.

Quando um time consegue levar a bola até a end zone do adversário, ele marca um touchdown, que vale 6 pontos; em seguida, pode tentar um try, uma nova jogada de uma única descida que vale pontos extras: caso o try seja tentado com a bola na linha de 5 jardas (e bem sucedido), o time ganha 1 ponto extra, caso a bola comece na linha de dois pontos, o try vale 2 pontos extras. Caso, durante um try, a bola seja interceptada e o time que interceptou consiga levar a bola até a outra end zone, ganha 2 pontos. Não há field goal (não sei se vocês repararam, mas o campo nem tem gols), então a única outra forma de marcar pontos é com um safety: arrancar uma flag de um jogador com a posse de bola dentro de sua própria end zone vale 2 pontos, e arrancar uma flag de um jogador que interceptou a bola dentro da end zone vale 1 ponto.

Além de os jogadores não poderem chutar a bola em nenhuma hipótese (sendo falta de 5 jardas do local onde houve o chute caso o façam), o quarterback não pode ultrapassar a linha de scrimmage carregando a bola nas mãos (sendo falta de 5 jardas a partir da linha de scrimmage caso o faça), podendo, porém, passar a bola para outro jogador e depois recebê-la de volta. Outros exemplos de faltas punidas com 5 jardas são: o jogador que fez o snap ser o primeiro a receber a bola do quarterback na jogada, retornar a bola para antes da linha de scrimmage com um passe para trás, estouro do cronômetro (levar mais de 25 segundos para colocar a bola em jogo), saída falsa (se mover na direção do time oponente antes do snap) e contato físico ilegal - se o contato físico ilegal foi durante uma interferência no passe, a falta é de 10 jardas. Outras faltas de 10 jardas incluem arrancar flags de jogadores sem posse de bola, conduta antidesportiva e interferência de pessoa estranha ao jogo (o técnico invadir o campo, por exemplo). Como foi dito, o quarterback tem 7 segundos para passar ou entregar a bola depois do snap, sendo falta punida com perda de descida (mas com a linha de scrimmage no mesmo lugar) caso ele estoure esse tempo. Outro detalhe importante é que, caso o quarterback esteja dentro da no running zone, ele obrigatoriamente deve tentar um passe, não podendo entregar a bola para uma corrida, sendo perda de descida caso o faça - ou seja, como a primeira jogada de ataque de cada time começa da linha de 5 jardas, a primeira jogada de ataque de cada time é sempre um passe.

Uma partida de flag football dura dois tempos de 20 minutos cada, com um intervalo de 2 minutos entre eles. Em caso de empate, é disputada uma prorrogação na qual cada time começa com a bola no meio do campo (e não da linha de 5 jardas) e tem quatro descidas para marcar pontos; caso o empate persista após uma tentativa de cada time, são disputadas tentativas alternadas, até que um dos dois consiga e o outro não. Cada time tem direito a dois pedidos de tempo em cada metade do jogo, mais um na prorrogação. A partida é oficiada por quatro árbitros, sendo um principal e três auxiliares, dos quais um se posiciona ao lado da linha de scrimmage, prestando atenção no time que está no ataque, e um a 7 jardas da linha de scrimmage, prestando atenção no time que está na defesa.

Além do flag football "de campo", a IFAF regula o flag football de praia (beach flag) e o disputado em ginásio fechado (indoor flag). As regras são as mesmas, com as seguintes diferenças: tanto no beach flag quanto no indoor flag, as jogadas começam com a bola na linha de 1 jarda, cada time tem 4 jogadores em quadra e 6 reservas, e o jogo dura dois tempos de 15 minutos cada; no beach flag, o campo tem apenas 45 jardas (41,15 m) de comprimento, sendo que as dez últimas jardas de cada lado são as end zones, restando 25 jardas (22,9 m) de área efetiva de jogo, a única marcação no campo é a das end zones, feita com cones, e os jogadores jogam descalços (no indoor flag os jogadores usam tênis ao invés de chuteiras).

Antes de terminar, vale citar que o rugby também possui variações sem contato físico. A mais parecida com o flag football é o tag rugby, cujas regras são baseadas nas do rugby union. O tag rugby foi inventado em 1983 em Gibraltar, uma dependência britânica localizada ao sul da Espanha, como parte do treinamento do time de rugby local, que usava uma corda amarrada frouxamente na cintura, que deveria ser puxada para caracterizar o tackle. Em 1990, o professor de educação física inglês Nick Leonard ficaria conhecendo essa invenção através de seu amigo Barry Johns, que servia na marinha, e contou que os marinheiros, nos navios, jogavam essa versão para passar o tempo. Leonard teria a ideia de substituir a corda por um cinto com velcros semelhante ao usado no flag football, e seria o responsável por codificar as regras do esporte; seu intuito era criar uma versão do rugby que pudesse ser jogada por crianças sem o risco de lesões, mas, praticamente desde que foi introduzido na Inglaterra, em 1991, o tag rugby se tornou extremamente popular dentre os adultos.

O tag rugby é jogado em um campo de 50 m de largura por 80 m de comprimento, sendo que os últimos 5 m de cada lado são os in-goal. Além da linha que divide o campo no meio e das linhas de in-goal, todas as três linhas cheias, há duas linhas pontilhadas de cada lado do campo: a linha de 10 m, a 10 m do centro, e a linha de 5 m, a 5 m do in-goal. Não há gols. Cada time tem 14 jogadores, sendo que somente sete podem estar em campo de cada vez; as substituições são ilimitadas e podem ser feitas a qualquer momento em que a bola não esteja em jogo. Além das modalidades masculina e feminina, o tag rugby é jogado com times mistos, sendo que um time misto tem que ter pelo menos seis mulheres, com pelo menos três estando em campo em todos os momentos. Exceto pelo cinto (chamado tag belt), o uniforme é idêntico ao do rugby union. A duração de uma partida também é a mesma do rugby union: 40 minutos, divididos em dois tempos de 20 minutos cada, sendo que o jogo não termina no estouro do cronômetro, seguindo normalmente enquanto a bola estiver viva. Empates são possíveis, mas, em caso de jogo que não possa terminar empatado, é disputada uma prorrogação de tempo indefinido com golden try, ou seja, o primeiro time que pontuar vence.

As regras são as mesmas do rugby union, com a diferença de que não há tackles; toda vez que um jogador tem uma de suas flags removidas, ele deve colocar a bola no chão no ponto onde estava, e rolá-la levemente para trás. Também não há jogadas de contato físico como o maul e o scrum, nem mark ou arremesso lateral - quando a bola sai pela lateral, o time que não a colocou para fora começa jogando com ela do ponto onde ela saiu, a 5 m da linha lateral. A bola pode ser movida com arremessos (sempre para os lados ou para trás) ou chutes (sempre para a frente), mas não há gols nem chutes de bonificação, sendo a única pontuação possível o try; por causa disso, cada try só vale 1 ponto. Caso o árbitro considere que um jogador só não conseguiu o try devido a uma falta do adversário, ele pode marcar um penalty try, que também vale 1 ponto. A maior parte das faltas é punida com penalty kick, sendo que a falta mais comum é o contato físico indevido. Como o tag rugby é um jogo intenso, que não para a toda hora como o flag football, um jogador que realize um tackle deve erguer a flag e gritar "tag", para que todos saibam que o jogador que estava com a bola foi tackleado.

Além da versão "de campo", o tag rugby possui versões indoor, de praia e de neve (sim, essa é uma variação oficial), que seguem as mesmas regras, com três diferenças. Primeiro, o campo é bem menor, com 15 m de largura por 40 m de comprimento, sendo os últimos 5 m de cada lado os in-goal, e as únicas marcações são a linha do meio e as linhas de in-goal. Segundo, os times possuem apenas cinco jogadores cada, sendo que apenas três podem estar em quadra de cada vez, com substituições ilimitadas podendo ser feitas a qualquer momento em que a bola não esteja em jogo; times mistos devem ter no mínimo duas mulheres, com uma em quadra a todos os momentos. Terceiro, o jogo dura 14 minutos, divididos em dois tempos de sete minutos cada.

O tag rugby é regulado pela Federação Internacional de Tag Football (ITF), fundada em 2008, e que atualmente conta com 34 membros (sem o Brasil). Seu principal torneio é a Copa do Mundo de Tag Rugby, disputada a cada três anos desde 2012; a Nova Zelândia ganhou os três títulos femininos, os três mistos e os dois primeiros masculinos, com o terceiro masculino ficando com a Austrália. A World Rugby, que regula o rugby union, reconheceu o tag rugby como esporte e passou a publicar suas regras oficiais em 2010, mas, até hoje, ainda não organizou nenhum torneio.

Mas a versão sem contato físico do rugby de maior popularidade no mundo é a baseada no rugby league, que se chama, simplesmente, touch (embora seja chamada de touch football ou touch rugby quando é preciso uma referência mais específica). O touch foi criado na Inglaterra, no início da década de 1950, como uma alternativa segura para se jogar rugby em pisos abrasivos como asfalto e concreto, mas seria codificado e viraria esporte em 1968, na Austrália, através dos esforços de dois amigos, Bob Dyke e Ray Vawdon, que estabeleceriam suas regras e organizariam os primeiros campeonatos.

O campo do touch é idêntico ao do tag rugby, com as mesmas dimensões e mesmas marcações (na verdade é o contrário, já que a ITF é que decidiria adotar as mesmas regras, por conveniência); a duração do jogo também a mesma, 40 minutos divididos em dois tempos de 20 cada, com golden try em caso de empate, e também não há gols, com o try, que vale apenas 1 ponto, sendo a única forma de pontuar. Cada time também tem 14 jogadores e substituições ilimitadas quando a bola não está em jogo, mas, no touch, apenas seis jogadores podem estar em campo de cada vez. Assim como no tag rugby, existem times mistos, seguindo as mesmas regras quanto ao número de mulheres. O uniforme do touch é idêntico ao do rugby league, exceto pelo fato de que as camisas não têm mangas.

Como o touch segue as regras do rugby league, cada time tem 6 chances para avançar a bola, com a posse passando automaticamente para o adversário no local onde estava quando a sexta chance foi desperdiçada. As demais regras são idênticas às do rugby league, com uma diferença: basta um mínimo toque do adversário com a mão em qualquer parte do corpo de um jogador, seguido do aviso touch (que significa "toque" em inglês) para que ele seja considerado tackleado, sem o uso de qualquer cinto especial e sem que ele precise ser derrubado.

Assim como o tag rugby, o touch possui versões de praia e indoor (mas não de neve), que usam a mesma quadra do tag rugby de praia e indoor, com as mesmas dimensões e marcações, e o mesmo tempo de jogo, 14 minutos divididos em dois tempos de sete. Os times também têm cinco jogadores cada, com substituições ilimitadas podendo ser feitas a qualquer momento em que a bola não esteja em jogo, mas, no touch indoor e de praia, um time que esteja atacando pode ter três jogadores em quadra, mas um que esteja defendendo só pode ter dois; a regra quanto ao número de mulheres nos times mistos é a mesma do tag rugby. No touch de praia ou indoor, cada time tem apenas quatro chances para avançar a bola antes de ter de passar sua posse para o adversário.

O touch é regulado pela Federação Internacional de Touch (FIT), fundada em 1985, e que hoje conta com 50 membros (novamente, sem o Brasil). Seu principal torneio é a Copa do Mundo de Touch, que teve uma primeira edição em 1988, sendo realizada a cada quatro anos desde 1991. A Austrália ganhou os nove títulos do masculino, os nove do feminino e sete do misto, ficando os outros dois do misto com a Nova Zelândia. Assim como ocorreu com o tag rugby, a World Rugby reconheceu o touch como esporte e passou a publicar suas regras oficiais em 2010, mas ainda não organizou nenhum torneio.
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domingo, 16 de fevereiro de 2020

Escrito por em 16.2.20 com 0 comentários

Futebol Canadense / Rugby League

Meu esporte preferido é o futebol americano. Não por acaso, foi o primeiro esporte sobre o qual eu falei aqui no átomo, numa época em que eu só planejava falar de música, filmes e livros. Além de sobre o próprio, já fiz posts também sobre o futebol americano universitário e sobre o arena football, o "futebol americano de salão" - porque, sempre que chega o fim do ano, por causa dos playoffs da NFL e dos bowls do college football, me dá vontade de falar alguma coisa sobre futebol americano. Já pensei em fazer uma série sobre a história da NFL, nos moldes das que fiz sobre a Fórmula 1 e as Olimpíadas, já pensei em falar sobre os jogos internacionais da NFL, já pensei em falar sobre o futebol americano no Brasil, mas, como seriam posts sobre competições, e não sobre o esporte em si, nunca me animei a levar essas ideias a cabo. Desde 2017, porém, tem um post que eu todo ano penso em escrever, mas acabo desistindo, que seria não sobre uma competição (bem, não totalmente), mas sobre um esporte: o futebol canadense, que é tipo um primo esquisito do futebol americano. Mas eu sempre acho que vai ficar um post muito curto, e, não sei se vocês já repararam, mas eu gosto mais quando eles ficam mais longos.

Meu segundo esporte preferido é o rugby. Comecei a assistir meio por acaso, e me apaixonei. Não por acaso, o rugby foi o segundo esporte que ganhou post aqui no átomo. Na ocasião, eu mencionei que, na verdade, existem dois esportes chamados rugby: o rugby union, mais conhecido no Brasil, que é o que eu gosto e sobre o qual eu falei, e o rugby league, que tem algumas regras diferentes, do qual eu não gosto. Eu nunca pensei em falar sobre rugby league aqui no átomo porque, bem, eu não gosto, mas, ano passado, eu tive uma ideia genial: combinar o rugby league e o futebol canadense em um único post, falando de uma vez sobre os dois. Como vocês devem ter imaginado, eu acabei não botando essa ideia em prática na época, mas, agora, resolvi que iria executá-la. Hoje, portanto, é dia não de um, mas de dois esportes no átomo!

Vamos começar pelo futebol canadense. Como eu disse aqui no post sobre futebol americano universitário, o futebol americano surgiu quando um grupo de soldados britânicos, por volta de 1860, foi enviado ao Canadá, e levou com eles as regras do rugby. O rugby logo se tornaria bastante popular nas universidades canadenses, e começaria a ter suas regras alteradas para ficar mais de acordo com o gosto da população local. Em 1864, dois alunos da Universidade de Toronto, Barlow Cumberland e Frederick Bethune, criariam um conjunto de regras que seria adotado por praticamente todas as universidades da região. De Toronto, que fica perto da fronteira, o jogo chegaria aos Estados Unidos, onde seria mais alterado ainda, dando origem ao futebol americano (quase) como o conhecemos hoje.

O principal responsável pelo futebol americano deixar de ser parecido com o rugby e passar a ser parecido com, bem, o futebol americano foi Walter Camp, aluno da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, que, em 1880, sugeriu várias mudanças nas regras utilizadas até então. No Canadá, essas mudanças não seriam implementadas até 1903, quando John Burnisde, aluno da Universidade de Toronto, baseando-se nas regras de Camp, também fez várias sugestões para a entidade que regulava o rugby na província de Ontário, onde Toronto está localizada, a Ontario Rugby Football Union. As outras entidades que regulavam o rugby no Canadá, porém, se recusariam a adotar essas regras, alegando que elas descaracterizavam o jogo, somente se curvando a elas quando ficou bem claro que os dois esportes, o rugby e o futebol canadense, poderiam coexistir.

Mesmo após as sugestões de Burnside, porém, o futebol canadense ainda era quase idêntico ao futebol americano, exceto por três detalhes: o tamanho do campo (que, no futebol canadense, é bem maior, porque as áreas dedicadas a esportes ao ar livre no Canadá eram mais espaçosas que as dos Estados Unidos), a proibição de passes para a frente (que só passariam a ser permitidos em 1929) e o fato de que um touchdown valia cinco pontos (somente passando a valer seis, como nos Estados Unidos, em 1956). Curiosamente, todas as demais diferenças essenciais entre o futebol canadense e o futebol americano - como, por exemplo, o número de jogadores em campo ou o número de descidas para avançar dez jardas - decorrem de mudanças feitas nos Estados Unidos, e não no Canadá - a regra das três descidas, por exemplo, foi alterada para quatro descidas nos Estados Unidos em 1905, mas, no Canadá, nunca foi alterada, sendo usadas apenas três até hoje.

Como eu já expliquei as regras do futebol americano bem explicadinhas, hoje eu vou focar apenas nas diferenças entre o futebol canadense e o futebol americano, citando uma coisa ou outra quando for necessário ficar mais claro. O que eu não falar aqui, muito provavelmente é igual a no futebol americano.

Uma das principais diferenças entre o futebol canadense e o futebol americano é o tamanho do campo. Um campo de futebol canadense é enorme, com 137 m de comprimento por 59 m de largura. A área de jogo, entre as duas goal lines, tem 110 jardas (101 m), com cada jarda sendo marcada por quatro linhas curtas, cada jarda múltipla de cinco sendo marcada por uma linha que atravessa o campo no sentido da largura, e cada jarda múltipla de dez por um grande número próximo à linha lateral - como o campo tem 110 jardas, a linha do meio é marcada pela letra C, de "centro", e então, no sentido de cada end zone, as jardas múltiplas de dez são marcadas pelos números 50, 40, 30, 20 e 10; em alguns estádios, as goal lines são marcadas com a letra G. As end zones têm o dobro do comprimento das do futebol americano, 20 jardas (ou 18 metros) cada uma; curiosamente, o gol, cuja base está a 3 m de altura, e tem 5,63 m de largura, não fica posicionado no final da end zone, e sim no início, com a base do gol ficando exatamente acima da goal line - o que faz com que um chute da linha de uma jarda tenha que ser dado quase que diretamente para cima. Todos os estádios da CFL (a liga profissional do Canadá) e da U Sports (que regula os esportes universitários) possuem gols no mesmo formato dos do futebol americano, aqueles que lembram vagamente um Y, mas as regras oficiais do futebol canadense também permitem que o gol seja do mesmo formato do usado no rugby, ou seja, em forma de H. As regras oficiais também permitem que as end zones tenham entre 18 e 25 jardas de comprimento, sendo 20 a medida mais comum.

A diferença mais importante do futebol canadense para o americano é que, no futebol americano, cada time tem quatro descidas para avançar dez jardas, passando a posse de bola para o adversário no final da quarta descida se ele não conseguir; no futebol canadense, cada time tem apenas três descidas para avançar dez jardas, o que significa que um time em situação difícil tem de apelar para o punt após apenas duas jogadas. Em compensação, no futebol canadense, quando a bola é colocada na linha de scrimmage, o time que está defendendo deve ficar a uma jarda de distância do local onde foi colocada a bola, o que torna o trabalho da linha ofensiva mais fácil - no futebol americano, o time que está defendendo deve ficar à frente da linha da bola, o que faz com que eles quase encostem seus narizes nos dos jogadores da linha ofensiva. Como o time adversário está posicionado a uma jarda da bola na hora do snap, é bem mais comum que sejam tentadas conversões de terceira descida no futebol canadense do que conversões de quarta descida no futebol americano.

Um time de futebol canadense tem sempre 12 jogadores em campo - um a mais do que um time de futebol americano. Um time completo de futebol canadense tem 44 jogadores, contra 53 no futebol americano, embora na NFL apenas 45 possam ser inscritos por jogo. A CFL possui uma regra de que cada time deve ter no mínimo 21 jogadores canadenses e no máximo 20 estrangeiros (que em todos os times são quase todos americanos), mais três quarterbacks que não contam para esses valores. Os árbitros do futebol americano sinalizam as faltas com um pano amarelo, e os técnicos pedem desafio com um pano vermelho; no futebol canadense, os árbitros usam um pano laranja, e os técnicos usam um pano amarelo.

Não existe a regra do fair catch no futebol canadense, em compensação, após um punt ou kick off, nenhum jogador pode ficar a menos de cinco jardas da bola até que algum oponente a toque, ou até que ela toque o chão - o que evita a situação de que o jogador nem acabou de pegar a bola e já sofreu um tackle. No futebol canadense, se a bola tocar o chão após um punt sem que nenhum jogador do time que a está recebendo a tenha tocado, o punter pode pegá-la e avançá-la em direção à end zone, com a posse de bola retornando para o time que chutou o punt; por essa razão, alguém do time que está recebendo sempre costuma tentar pegar a bola, mesmo que ela toque o chão antes - no futebol americano, se a bola tocar no chão antes, o time que está recebendo pode ignorá-la, porque, se alguém do time que chutou tocar nela, a jogada começa do ponto onde houve o toque, e, se ela entrar na end zone, da linha de 20 jardas.

Falando nisso, no futebol americano, se um jogador recebe a bola dentro de sua própria end zone e não consegue retornar ao campo de jogo, ou se a bola sai de campo direto após um punt ou kickoff, ocorre um touchback, e o time que recebeu a bola começará jogando da linha de 20 jardas. No futebol canadense, qualquer bola que caia dentro da end zone, exceto como resultado de um field goal válido ou após ter tocado as traves do gol, é considerada viva e de quem pegar; se um jogador do time que está defendendo a pega dentro da end zone mas não consegue retornar ao campo de jogo, o time que está atacando ganha um ponto, conhecido como single ou rouge ("vermelho" em francês, porque antigamente essa jogada era sinalizada pelos árbitros com um pano vermelho), e o time que sofreu o ponto começa jogando da linha de 35 jardas ou da linha onde foi realizado o chute, no caso de um punt ou uma tentativa de field goal, como preferir. Um punt ou uma tentativa de field goal não convertida que saia de campo após ter tocado o chão dentro da end zone sem nenhum jogador ter tocado a bola também vale um single. Caso um kickoff ou uma tentativa de field goal não convertida cuja bola tocou na trave saia de campo após tocar o chão dentro da end zone sem tocar em nenhum jogador, o time que está defendendo começa jogando da linha de 25 jardas.

No futebol canadense, um time que sofreu um field goal pode escolher entre receber um kickoff, fazer um kickoff de sua linha de 35 jardas, ou começar jogando de sua linha de 35 jardas sem o oponente fazer kickoff. Já o time que marca um safety pode escolher entre fazer um kickoff de sua linha de 35 jardas, fazer um kickoff de sua linha de 25 jardas, ou começar jogando de sua linha de 35 jardas. No futebol americano, o time que marca pontos sempre faz o kickoff, exceto no caso de um safety, quando quem faz o kickoff é o time que sofreu os pontos. No futebol canadense, após um touchdown, a conversão com chute é feita da linha de 25 jardas, e a com jogada da linha de 3 jardas - no futebol americano, o chute é feito da linha de 15 jardas, e a jogada da linha de 2 jardas; o chute no canadense é de mais longe porque o gol é mais próximo, na prática dá uma jarda a menos para os canadenses, e não dez a mais. No futebol canadense, para um chute de field goal ou conversão, o kicker pode pedir que o holder coloque a bola apoiada sobre um tee, como no rugby; no futebol americano, exceto a nível escolar, todos os chutes devem ser feitos com o holder segurando a bola.

No futebol americano, apenas um jogador do time que está atacando pode se mover antes do snap, e, mesmo assim, desde que não seja um jogador da linha ofensiva, e desde que ele não se mova na direção da linha de scrimmage. No futebol canadense, qualquer jogador que não esteja na linha ofensiva pode se mover em qualquer direção, inclusive lateralmente ao longo da linha de scrimmage, desde que não ultrapasse a linha de scrimmage - o que é feito para confundir a defesa. Um jogador que comece a se mover na direção da linha de scrimmage antes do snap costuma conseguir percorrer uma distância muito maior do que os que começam a jogada parados, permitindo que no futebol canadense sejam feitos passes muito mais longos. Como o gol do futebol canadense fica praticamente dentro do campo, um passe no qual a bola toque no gol é considerado incompleto, como se a bola tivesse saído.

No futebol americano, cada time tem 40 segundos para definir sua jogada antes do snap; no futebol canadense, esse tempo é de apenas 20 segundos. No futebol canadense, cada time tem direito a dois pedidos de tempo a cada metade do jogo, mas não pode usar ambos nos últimos três minutos de cada metade; o jogo para automaticamente quando chega a esses três minutos, para o three minute warning, e, dentro desses três minutos, toda vez que a bola para, o relógio também para. A penalidade no futebol canadense por deixar esgotar os 20 segundos nos três minutos finais de cada metade é a perda de uma descida, ou de 10 jardas caso seja a terceira - e, se o árbitro considerar que a demora está ocorrendo de propósito, pode penalizar o time dando a posse de bola para o adversário, mesmo que seja a primeira descida. No restante do jogo, a penalidade é a mesma do futebol americano: 5 jardas.

Mas a diferença mais curiosa do futebol canadense para o americano é que, assim como no rugby, no futebol canadense é permitido avançar a bola para a frente com um chute, desde que só seja dado um chute por posse de bola. Normalmente esse chute é usado para tirar a bola da end zone e evitar um single ou safety, mas, em um momento de desespero, pode ser usado para passar a bola para um jogador que esteja mais à frente no campo.

O único lugar do planeta onde o futebol canadense é jogado é no Canadá. No resto do mundo, por influência dos Estados Unidos, exercida através do cinema e televisão, só é jogado mesmo o futebol americano - no Canadá também é jogado o futebol americano, mas apenas em ligas amadoras, enquanto o futebol canadense é jogado a nível amador (incluindo escolar e universitário), semiprofissional e profissional. A única liga profissional de futebol canadense no mundo se chama CFL (de Canadian Football League), e, atualmente, conta com nove times, que representam as cidades de Ottawa, Montreal, Toronto, Winnipeg, Vancouver, Calgary, Edmonton, Regina e Hamilton, e contam com nomes criativos como Hamilton Tiger-Cats, Montreal Alouettes e Saskatchewan Roughriders - Saskatchewan é o nome da província onde se localiza a cidade de Regina; outro time que não traz o nome da cidade é o BC Lions, sendo BC a sigla de British Columbia, província onde está localizada a cidade de Vancouver. Como o Canadá é muito frio, sendo impossível disputar esportes ao ar livre no inverno, a temporada da CFL começa em junho, com os playoffs sendo disputados em novembro.

Como a CFL só tem nove times, eles são divididos em duas Divisões, a Oeste, com cinco times, e a Leste, com quatro. A temporada regular dura 21 semanas, com cada time fazendo 18 jogos e folgando em três semanas - um time folga a cada semana, exceto em três delas, quando três times folgam em cada. Cada time joga duas vezes contra cada um dos outros oito times, uma em casa e uma fora; os outros dois jogos, um em casa e um fora, são contra dois times de sua própria Divisão, escolhidos através de uma fórmula, que mudam todo ano. Se classificam para os playoffs os três melhores times de cada Divisão, sendo que o quarto melhor time de uma Divisão pode "roubar" a vaga do terceiro da outra, caso seu desempenho tenha sido melhor - em 2019, por exemplo, se classificaram quatro times da Divisão Oeste a apenas dois da Leste. A primeira rodada dos playoffs tem sempre o segundo e o terceiro colocados de cada Divisão se enfrentando, com o vencedor desse jogo enfrentando o primeiro na Final de Divisão, e os campeões de Divisão se enfrentando na final - por causa da regra de "roubar", é possível, embora raro, que ambos os times na final sejam da mesma Divisão.

A final da CFL se chama Grey Cup, e é disputada desde 1909, sendo que em 2020 será disputada sua 108a edição - não houve Grey Cup entre 1916 e 1919 por conta da Primeira Guerra Mundial. Assim como ocorre com o Super Bowl, a Grey Cup é disputada em um estádio selecionado antecipadamente, mas, como o número de times na CFL é bem menor, não é raro um time jogar a Grey Cup em casa - algo que jamais aconteceu no Super Bowl. A Grey Cup foi criada antes mesmo da fundação da CFL (o que só ocorreu em 1958), leva seu nome em homenagem a seu criador, Albert Grey, governador-geral do Canadá entre 1904 e 1911, e, originalmente, era entregue ao melhor time amador do Canadá, decidido em um torneio que contava com a participação apenas de times amadores e universitários, com os profissionais somente começando a participar em 1936. Os times amadores e universitários puderam continuar competindo pela Grey Cup até 1954, com o troféu passando a ser disputado exclusivamente por times profissionais no ano seguinte. O maior campeão da Grey Cup é o Toronto Argonauts, que já a conquistou 17 vezes, seguido do Edmonton Eskimos, com 14, e do Winnipeg Blue Bombers, com 10. Todos os times atualmente em atividade na CFL já conquistaram a Grey Cup pelo menos uma vez, com o mais recente tendo sido o Ottawa Redblacks em 2016 - já que até agora eu falei o nome de oito dos nove times, acho que vale citar que o nono é o Calgary Stampeders. A Grey Cup é o evento esportivo mais assistido do Canadá, com sua audiência chegando a alcançar 40% dos televisores ligados no país.

Desde sua fundação - quando já contava com nove times, embora não fossem os mesmos de hoje - a CFL luta para se expandir e criar mais times, o que esbarra no fato de que, mesmo no Canadá, o futebol canadense não é tão popular dentre os atletas - muitos dos universitários que se destacam no futebol canadense acabam preferindo tentar uma vaga na NFL, já que as regras não são tão diferentes assim, ficando os times da CFL apenas com jogadores de menor prestígio, incluindo universitários dos Estados Unidos que não conseguiram vaga na NFL após se formar e ex-jogadores da NFL que ainda se consideram muito jovens para se aposentar. A tentativa mais ousada de expansão ocorreria em 1993, quando um time baseado em uma cidade dos Estados Unidos, o Sacramento Gold Miners, da Califórnia, foi adicionado ao campeonato. No ano seguinte, três novos times dos Estados Unidos fizeram sua estreia, e, em 1995, embora dois desses anteriores tenham desistido, três novos estrearam, com a CFL chegando ao recorde de 13 times - o campeão de 1995, inclusive, foi um time dos Estados Unidos, os Baltimore Stallions, na única vez em que a Grey Cup não foi para um time canadense. Em 1996, porém, com quatro dos cinco times dos Estados Unidos na CFL passando por dificuldades financeiras, e a cidade de Baltimore ganhando seu próprio time da NFL - o Baltimore Ravens - nenhum time dos Estados Unidos se inscreveu, o que fez com que a CFL voltasse a ter somente times canadenses; desde então, todas as tentativas de expansão têm sido feitas em cidades do Canadá, embora o número de times jamais tenha passado de nove.

O futebol canadense universitário segue mais ou menos os mesmos moldes do futebol americano universitário, existindo uma organização, chamada U Sports (que, até 2016, tinha dois nomes, Canadian Interuniversity Sport, ou CIS, em inglês, e Sport Interuniversitaire Canadien, ou SIC, em francês, decidindo se chamar U Sports em ambos os idiomas para facilitar), que regula o esporte universitário em todo o país, e organiza os campeonatos de doze modalidades esportivas, incluindo o futebol canadense. A principal diferença do campeonato de futebol canadense da U Sports para o de futebol americano da NCAA, dos Estados Unidos, é que o canadense conta apenas com uma divisão, já que apenas 27 universidades contam com o futebol canadense em seu programa esportivo - das quais a mais criativa é a Saint Francis Xavier University, cujo apelido do time é "The X-Men".

De maneira parecida com o que ocorre na NCAA, os 27 times são divididos em quatro conferências, usando critérios geográficos: Canada West Universities Athletic Association (CW, para universidades das províncias de British Columbia, Alberta, Saskatchewan e Manitoba, todas localizadas no oeste), Atlantic University Sport (AUS, para universidades das províncias de Newfoundland e Labrador, Nova Brunswick, Prince Edward Island e Nova Scotia, todas localizadas na costa do Atlântico), Ontario University Athletics (OUA, para as universidades da província de Ontário) e Réseau du sport étudiant du Québec (RSEQ, para universidades da província de Québec). Durante a temporada regular, cada time faz oito jogos, todos contra oponentes de sua própria conferência (na AUS e na RSEQ, que contam com cinco times cada, cada um faz um em casa e um fora contra cada oponente; na CW, que conta com seis times, e na OUA, que conta com 11, são usadas fórmulas para se determinar quais times cada um dos outros não enfrenta a cada ano); a fase seguinte são os playoffs de conferência, com cada uma tendo sua própria fórmula (na CW e na RSEQ se classificam os quatro primeiros, com o primeiro enfrentando o quarto e o segundo enfrentando o terceiro nas semifinais; na AUS se classificam os três primeiros, com o segundo enfrentando o terceiro na semifinal, e o vencedor enfrentando o primeiro na final; e na OUA é usado um sistema parecido com o da CFL, com os seis primeiros se classificando, o primeiro e o segundo estreando nas semifinais e os demais nas quartas de final) com cada campeão de conferência ganhando seu próprio troféu (Hardy Trophy para a CW, Jewett Trophy para a AUS, Yates Cup para a OUA, e Coupe Dunsmore para a RSEQ). Os playoffs de conferência são disputados em jogo único, sempre na casa do time melhor ranqueado.

Os quatro campeões de conferência, então, se classificam para as semifinais nacionais, também disputadas em jogo único. Uma das semifinais se chama Uteck Bowl, e é sempre disputada no estádio mais a leste dentre os dos dois participantes; a outra se chama Mitchell Bowl, e é disputada sempre no estádio mais a oeste - sendo esse curioso critério também usado para definir os participantes de cada Bowl, com as duas universidades localizadas mais a oeste disputando o Mitchell e as duas mais a leste o Uteck. Os vencedores das semifinais nacionais se enfrentam na Vanier Cup (ou Coupe Vanier), a grande final do futebol canadense universitário, disputada desde 1965. O maior vencedor da Vanier Cup é a Université Laval, com 10 títulos, seguida da Universidade do Oeste em London, com 7, e da Universidade de Calgary, atual campeã, com 5. Somente nove dos 27 times que hoje disputam o campeonato jamais foram campeões, sendo que seis deles sequer chegaram à Vanier Cup. Até 2003, a Vanier Cup era sempre disputada em Toronto, numa homenagem por ter sido nessa cidade que foi criado o futebol canadense, mas, a partir daquele ano, a sede passou a ser escolhida com um ano de antecedência, e, desde 2015, cada estádio é escolhido para sediar duas edições seguidas, com as escolhas ocorrendo sempre nos anos ímpares. A Vanier Cup foi criada para que os times universitários também pudessem disputar um troféu nacional, já que em 1954 eles seriam proibidos de disputar a Grey Cup; entre 1955 e 1964, somente os troféus das Conferências foram disputados pelos times universitários.

Vamos passar agora para o rugby league, cuja história começa em 1895, quando o órgão que controlava o rugby na Inglaterra se chamava Rugby Football Union (RFU). Naquele ano, a RFU publicou uma regra segundo a qual todos os times tinham de ser exclusivamente amadores, sendo proibido qualquer tipo de pagamento feito aos jogadores pelos clubes - além disso, os clubes ficariam proibidos de vender ingressos para as partidas, devendo a entrada ser gratuita para todas elas. 22 clubes sediados no norte do país não concordaram com essas regras, porque a maioria de seus jogadores vinham das classes mais humildes, trabalhando em minhas de carvão, moinhos e outros empregos que pagavam muito pouco, usando o rugby como complementação de renda - a maioria deles, inclusive, não teria como viajar para enfrentar os clubes do sul se tivesse que pagar a passagem de seu próprio bolso, o que passaria a ser o caso de acordo com a determinação da RFU. Esses 22 clubes, então, decidiriam se desfiliar da RFU e fundar sua própria federação, que chamariam de Northern Rugby Football Union (NRFU). Logo eles descobriram que outros clubes de todo o país também estavam insatisfeitos com a RFU, por um motivo ou outro, e decidiram aceitar qualquer clube que se desfiliasse da RFU para se filiar a eles. Em 1910, quinze anos após sua criação, a NRFU já contaria com mais de 200 clubes filiados.

Aproveitando que eles já não tinham mais nada a ver com a RFU, os clubes da NRFU decidiriam alterar as regras para que elas ficassem mais ao gosto dos jogadores e espectadores - abolindo a jogada de lateral na qual é permitido erguer um jogador do chão e diminuindo o número de jogadores de cada time em campo para 13, por exemplo. Em 1901, para evitar confusões entre seu nome e o da rival, a NRFU decidiria mudar seu nome para Northern Rugby League, ou NRL. Animados com o sucesso da NRL, clubes de rugby da cidade de Sydney, na Austrália também decidiriam criar uma nova federação, a New South Wales Rugby Football League, que jogaria pelas regras da NRL. Em 1922, a NRL, já com clubes em toda a Inglaterra, decidiria mudar novamente seu nome, para Rugby Football League, ou RFL. Na década de 1920 o rugby já era jogado com as regras da RFL em vários países da Europa, além de na Austrália e Nova Zelândia, de forma que, em 1927, as federações nacionais de Inglaterra, Escócia, Irlanda, Austrália e Nova Zelândia decidiriam se unir e fundar a primeira federação internacional a regular o rugby de acordo com as regras da RFL, a Imperial Rubgy League Board, que, em 1948, com a entrada da França, mudaria de nome para International Rubgy League Board, e, em 1998, mudaria novamente para Rugby League International Federation. No ano passado, ocorreria mais uma mudança de nome, com o órgão passando a se chamar International Ruby League (IRL).

Hoje, a IRL conta com 70 membros, sendo que 19 são considerados membros plenos (países onde o rubgy league é disputado profissionalmente), 11 são considerados membros afiliados (países onde o rugby league é disputado a nível amador ou semiprofissional) e 40 são considerados membros observadores (países onde o rugby league é disputado apenas a nível amador, e onde ainda está em seus primeiros estágios de desenvolvimento). O Brasil é membro afiliado da IRL desde 2019, tendo sido aceito como membro observador em 2015. Três curiosidades sobre a IRL: primeiro, Brasil e Chile são os únicos países da América do Sul que podem disputar competições da IRL, ambos sendo afiliados; Argentina, Uruguai e Colômbia são membros observadores. Segundo, até 1992, Inglaterra, Escócia e País de Gales competiam como Grã-Bretanha, passando a competir separadamente a partir de 1993. Terceiro, assim como no rugby union, o time da Irlanda representa toda a ilha, podendo ser convocados para ele jogadores nascidos tanto na República da Irlanda quanto na Irlanda do Norte.

Embora, a rigor, ambos os esportes, o que era regulado pela RFU e o da IRL, se chamem rugby (ou melhor, rugby football), desde a mudança de nome para NRL a IRL decidiu que, para evitar confusão, o nome oficial do esporte que segue suas regras seria rugby league, e que todas as federações nacionais deveriam se chamar leagues - regra que foi relaxada em 1998, com as federações nacionais desde então sendo obrigadas a ter rugby league, e não apenas rugby, no nome, com a brasileira, por exemplo, sendo a Confederação Brasileira de Rugby League. Por tabela, como o "outro" rugby era regulado pela Rugby Football Union, seu "apelido" passaria a ser rugby union, e suas federações nacionais passariam a ser conhecidas como unions. Hoje, embora o termo rugby union ainda seja usado quando é necessário diferenciá-lo do rugby league, a federação internacional do rugby union, que, desde 2014, se chama World Rugby, determina que seu nome oficial é apenas rugby - ou seja, um dos esportes oficialmente se chama rugby, o outro oficialmente se chama rugby league. Para evitar confusão, nesse post eu vou chamar o rugby da World Rugby de rugby union.

Assim como eu fiz com o futebol canadense, a ênfase aqui será nas regras do rugby league que são diferentes daquelas do rugby union. Se alguma coisa ficou de fora, provavelmente é igual, e basta vocês irem até o meu post sobre rugby e ler lá como é.

O campo do rugby league tem entre 112 e 122 metros de comprimento por entre 58 e 68 metros de largura; a área entre as linhas de in-goal tem 100 metros de comprimento, divididos de 10 em 10 por linhas cheias com número grandes. Assim como no futebol americano, a linha do meio do campo tem o número 50, e aí, na direção do in-goal, elas têm os números 40, 30, 20 e 10. É interessante notar que o campo do rugby league "cabe dentro" do campo de rugby union, que é ligeiramente maior, e, por isso, é comum que times de rugby league e rugby union de uma mesma cidade dividam o mesmo campo, bastando trocar as marcações quando for jogo de um ou de outro.

Um time de rugby league tem apenas 13 jogadores, dois a menos que um de rugby union; os dois jogadores "que faltam" são forwards, o que significa que um time tem seis forwards - mais fortes e pesados, que impedem o avanço adversário - e sete backs - mais leves e rápidos, que criam as jogadas e avançam com a bola - o que faz com que o jogo no rugby league seja muito mais veloz. Uma curiosidade do rugby league é que a numeração das camisas é "ao contrário" em relação ao rugby union, com os backs vestindo as camisas de 1 a 7 e os forwards as de 8 a 13. Um time de rugby league tem quatro reservas, que vestem as camisas 14 a 17. As substituições só podem ser feitas com a bola parada, e um jogador que saiu pode voltar a campo depois, mas há um máximo de oito substituições por jogo, exceto em caso de lesão, quando o jogador substituído por lesão não conta.

Os métodos de pontuação no rugby league são os mesmos do rugby union, mas os valores em pontos são diferentes: no rugby league, um try vale quatro pontos (com o chute de conversão valendo mais dois), um penalty kick convertido vale dois pontos, e um drop kick convertido vale só um ponto. Como o rugby league é muito veloz e dinâmico, com poucas faltas que resultam em penalty kicks, é comum os times marcarem mais pontos através de tries do que de chutes. Uma diferença importante é que, no rugby league, a bola pode ser colocada para fora de campo intencionalmente com as mãos, enquanto no rugby union isso só pode ser feito com chutes; além disso, no rugby league, quando a bola sai pela lateral, ela é recolocada em jogo com um scrum, com o time que não tocou por último colocando a bola em jogo. Todas as situações nas quais, no rugby union, ocorreriam em relação à linha de 22 metros, no rugby league ocorrem em relação à linha de 20 metros.

Mas a regra mais importante do rugby league é a regra das seis chances, também conhecida como regra dos seis tackles: no rugby union, o time que está atacando mantém a posse de bola até o outro time tomar a bola dele ou a bola sair de campo; já no rugby league o time que está atacando tem seis chances para marcar pontos, devendo devolver a bola para o outro time se esgotar todas as seis sem conseguir. Em outras palavras, cada vez que um jogador do time que está atacando sofre um tackle, ele perde uma chance, e, após o sexto tackle, a posse de bola passa para o time oponente. Assim como no futebol americano, após o quinto tackle o time que está atacando costuma usar o punt, um chute na direção do campo adversário, para que o oponente comece sua jogada o mais longe possível de seu in goal; também como no futebol americano, o punt é uma jogada que devolve a bola para o adversário, não podendo um time pegar uma bola que ele mesmo chutou. Normalmente o árbitro grita o número da chance que está sendo jogada, mas isso não é obrigatório - exceto quando é a quinta, quando, além de gritar, ele deve fazer um sinal com a mão espalmada sobre a cabeça, para alertar os jogadores.

Após cada tackle, a jogada continua com o play the ball: o jogador que sofreu o tackle coloca a bola no chão à frente da linha de seus pés, se levanta e a rola para trás com o pé. Apenas um jogador do próprio time que fez o play the ball pode pegar a bola, nunca os oponentes. As únicas formas de se conseguir a posse de bola antes de um time esgotar suas seis chances são interceptando a bola durante um passe ou causando um fumble, ou seja, um adversário faz com que um jogador solte a bola antes de tocar o chão quando sofre um tackle, e então um outro jogador adversário pega a bola antes do time que estava no ataque. Um passe para a frente feito durante a sexta chance não resulta em scrum, e sim em posse de bola automática para o adversário, com play the ball no local do passe. Um time que comece jogando após o oponente gastar suas seis chances conduzindo a bola (ou seja, sem punt) também começa com play the ball.

A competição mais importante do rugby league é a Copa do Mundo, disputada desde 1954 (bem antes da primeira Copa do Mundo de rugby union, disputada pela primeira vez em 1987). De início, a Copa do Mundo de Rugby League era disputada em intervalos irregulares (entre 1985 e 1992, inclusive, chegaram a fazer um experimento no qual a Copa durava quatro anos inteiros, sem sede, com jogos de ida e volta entre os participantes), mas, desde 2013, a IRL definiu que o intervalo seria de quatro anos, com a próxima estando prevista para 2021. Atualmente a Copa do Mundo é disputada por 16 times, e todos os membros plenos e afiliados podem participar das eliminatórias - o Brasil nunca participou porque as eliminatórias para 2021 já haviam se encerrado quando ele foi aceito como membro afiliado. Das 15 edições da Copa do Mundo já realizadas, a Nova Zelândia ganhou uma, a Grã-Bretanha ganhou 3, e a Austrália ganhou as outras 11 - tendo também o recorde de ter chegado entre os três primeiros em todas as 15 edições, e de ter chegado a todas as finais desde 1957, só tendo ficado de fora exatamente da primeira.

O rugby league é disputado também por mulheres, com a Copa do Mundo de Rugby League Feminina sendo disputada desde 2000 - mais uma vez, de início a intervalos irregulares, mas, desde 2013, a cada quatro anos. A Nova Zelândia ganhou as três primeiras edições, mas a Austrália ganhou as duas mais recentes. Por decisão da IRL, a Copa do Mundo feminina é sempre disputada na mesma sede e usando os mesmos estádios da masculina, mas nunca ocorrendo simultaneamente - algumas edições são realizadas antes do começo da masculina, outras após seu final. Como o rugby league feminino é menos praticado que o masculino, o número de participantes também é menor: em 2021, apenas 8 times disputarão a Copa do Mundo feminina, incluindo o Brasil, que entrou como convidado - assim como todos os demais times, já que a Copa do Mundo feminina não tem eliminatórias.

Para terminar, vale dizer que, assim como o rugby union possui uma versão chamada rugby sevens - com sete jogadores de cada lado e dois tempos de sete minutos cada - o rugby league possui uma versão chamada rugby league nines. Ambas foram criadas com o mesmo propósito, fazer com que as partidas se tornassem mais curtas e pudessem ser realizadas em um intervalo menor de tempo, o que possibilitaria sua inclusão em torneios como as Olimpíadas - de fato, o rugby sevens já faz parte do programa olímpico, desde 2016. No rugby league nines, cada time possui nove jogadores e seis reservas, mas somente quatro reservas podem ser inscritos por jogo, embora as substituições sejam ilimitadas, e o jogo dura dois tempos de nove minutos cada, com 2 minutos de intervalo, para um total de 20 minutos de partida. Se um jogo terminar empatado, é jogada uma prorrogação com golden try, ou seja, quem marcar um try primeiro vence. Outra diferença importante é que são apenas cinco tackles por jogada, e não seis, e que o time que faz pontos é que recomeça o jogo, com um drop kick. O rugby league nines é mais popular a nível nacional do que o rugby sevens, com Inglaterra e Austrália, por exemplo, tendo campeonatos disputadíssimos, mas, a nível internacional, ele ainda está começando a engrenar, tanto que a Copa do Mundo de Rugby League Nines foi disputada pela primeira vez em 2019, com previsão de ser disputada a cada quatro anos; as edições masculina e feminina foram realizadas simultaneamente, com a Austrália ganhando ambas.
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segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

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Arena Football

Normalmente, quando eu estou conversando com alguém que não conhece detalhes do futebol americano e começo a explicar mais ou menos como funciona a NFL, surge uma pergunta: por que os Estados Unidos, um país enorme e cheio de cidades, tem apenas 32 times de futebol americano? Eu até entendo a pergunta: o Brasil tem uns mil times de futebol, tanto que aqui até os Campeonatos Estaduais têm primeira, segunda e terceira divisão, então parece mesmo estranho um país com uma população maior que a nossa ter apenas 32 times de um determinado esporte. A resposta, porém, é muito simples: a NFL é uma liga, de forma que esses 32 times são apenas aqueles filiados a essa liga. Deduzir que os 32 times da NFL são os únicos times de futebol americano de todos os Estados Unidos seria equivalente a deduzir que os 20 times da Série A do Campeonato Brasileiro de futebol são os únicos times de futebol de todo o Brasil - algo compreensível e nem um pouco condenável caso deduzido por alguém que não conhece o esporte, vale mencionar.

Acontece, porém, que essa resposta está apenas parcialmente certa. De fato, a NFL é uma liga, e esses são os 32 times filiados a essa liga. De certa forma, porém, eles também são os únicos que existem, já que não acontece com o futebol americano o mesmo que com outros esportes, como o beisebol, o basquete e o futebol "soccer". Explico: no caso desses três esportes (e de alguns outros, mas vou usar apenas esses três como exemplo), existe uma liga "principal", mais famosa, normalmente mais rica, e com os times mais conhecidos - no caso do beisebol, é a MLB, no caso do basquete, a NBA, e, no caso do futebol, a MLS. Essas não são, entretanto, as únicas ligas que existem: no beisebol, há uma dezena de outras ligas, chamadas coletivamente de "ligas menores" - já que a MLB é a Major League Baseball, a "maior liga de beisebol" - com uma centena de outros times; no basquete, da mesma forma, existem outras ligas menos cotadas que a NBA, como a ABL, a APBL e a IBA; e o mesmo ocorre no futebol, onde a MLS está longe de ser a única liga - dois times norte-americanos muito famosos aqui no Brasil, o Fort Lauderdale Strikers (que ganhou notoriedade depois que um certo jogador do Flamengo se transferiu pra lá) e o New York Cosmos (onde Pelé jogou em 1975), não jogam na MSL, e sim na NASL, e ainda existem outras ligas, como a USL e a PDL. Em todos os casos, cada liga possui seus próprios times e seu próprio campeonato, realizado de forma totalmente independente de todos os demais, não ocorrendo, por exemplo, o que ocorre com as "divisões" dos nossos campeonatos de futebol - os primeiros da NASL não sobem para a MSL e os últimos da MSL não caem para a NASL, por exemplo.

No futebol americano, entretanto, a NFL é, atualmente, a única liga em atividade formada por times profissionais. Ao longo dos anos, várias outras ligas existiram, como a AFL, a USFL e a XFL, mas, devido à popularidade, ao prestígio, e, por que não dizer, à força da NFL, todas sumiram de uma forma ou de outra. O campeonato da NFL, portanto, é o único campeonato dentro dos Estados Unidos a contar com a participação de times profissionais de futebol americano - o que faz com que, de certa forma, os 32 times da NFL sejam os únicos times de futebol americano dos Estados Unidos.

Mas, se isso fosse uma verdade absoluta, eu não teria dito "de certa forma" duas vezes. E não fiz isso porque os times da NFL são os únicos times profissionais - como já vimos, existem também os times do futebol americano universitário, que disputam um campeonato concorrido, emocionante e de grande público; mas times universitários, por melhores que sejam, não podem ser colocados no mesmo patamar dos profissionais. Eu disse "de certa forma" porque os times da NFL são os únicos de futebol americano "de campo". Muita gente não sabe, mas existe uma segunda variedade, o futebol americano "indoor" (ou "de salão", como disse um amigo meu certa vez), disputado em uma quadra de hóquei no gelo (sem o gelo, evidentemente). Esse sim possui pelo menos sete ligas em atividade, sendo a mais famosa a Arena Football League (AFL; exceto pela sigla, nada a ver com a outra AFL que eu citei há pouco, a American Football League, que esteve em atividade de 1959 a 1970, quando foi absorvida pela NFL). Por causa dela, o futebol americano indoor é conhecido informalmente como Arena Football. E é sobre Arena Football que falaremos hoje.

O Arena Football foi inventado em 1981 por Jim Foster, na época um executivo da NFL. Foster estava no Madison Square Garden, famoso ginásio de Nova Iorque, assistindo a um jogo da MISL, a liga norte-americana de futebol indoor - esporte do qual eu já falei aqui, na minha série de posts sobre o futebol - quando percebeu que o futebol americano também poderia ser jogado da mesma forma, em um ginásio fechado, com times menores e regras levemente modificadas. Conforme assistia à partida, Foster ia tendo ideias para as regras, as quais rabiscaria rapidamente em uma daquelas pastas de papel pardo grosso usadas para guardar documentos em um arquivo - provavelmente o único papel em branco que tinha nas mãos. Esse primeiro conjunto de regras seria considerado o embrião do Arena Football, e essa pasta hoje está em exposição no Hall da Fama do esporte, na cidade de Chicago.

Essas primeiras regras, porém, eram bem simples, e, ao revê-las, Foster chegaria à conclusão de que o jogo ainda precisaria de aprimoramentos. Ele levaria nada menos que cinco anos para realizar esses aprimoramentos, durante os quais ele conversaria com outros executivos da NFL, com jogadores de futebol americano, com técnicos e treinadores, e até mesmo com donos de ginásios, visando tornar o esporte o mais parecido com o futebol americano de campo possível, apesar das limitações de espaço. No final de 1985, Foster já tinha não somente um conjunto completo de regras, que incluía especificações da área de jogo e do equipamento que deveria ser utilizado, como também um plano de negócios para a fundação de uma liga nacional desse esporte. No início de 1986, ele começaria a testá-lo, usando jogadores universitários que não haviam sido contratados por times profissionais, em uma série de jogos a portas fechadas na cidade de Rockford, próxima a Chicago, onde Foster morava e tinha seu escritório. Ele usaria esses jogos para fazer pequenos ajustes nas regras, e, quando achou que já estava tudo ok, realizou um jogo aberto ao público, em abril de 1986.

Foster se aproveitaria de seu prestígio como executivo da NFL e convidaria para esse jogo executivos do canal de TV especializado em esportes ESPN e de empresas como a companhia aérea United Airlines e a fabricante de material esportivo Wilson, buscando conseguir patrocínio e um contrato de televisão para a liga que planejava lançar ainda aquele ano. Com tudo certo, ele ainda realizaria um segundo jogo-teste, dessa vez com venda de ingressos, em Rosemont, outra cidade próxima a Chicago, após o qual fundaria a AFL, se tornando seu primeiro presidente.

A primeira temporada da AFL contaria com quatro times, que participariam de um treinamento na cidade de Wheaton (adivinhem: também próxima a Chicago) durante dois meses. O jogo de estreia ocorreria em 19 de junho de 1987, em Pittsburgh, entre o Pittsburgh Gladiators e o Washington Commandos, com vitória do time da casa por apenas dois pontos de diferença (48 a 46), diante de 12 mil espectadores. Curiosamente, Foster não quis que esse jogo fosse televisionado, pois temia que, caso algo desse errado, e fosse exibido para todo o país, o prestígio de seu esporte diminuiria; como deu tudo certo, o segundo jogo, realizado no dia seguinte, entre o Denver Dynamite e o Chicago Bruisers, seria o primeiro televisionado da história da AFL. Após 12 jogos (cada time enfrentou cada um dos outros duas vezes, uma em casa e uma fora, e os dois com mais pontos de classificaram para a final), a temporada se concluiria em 1 de agosto de 1987 com o primeiro ArenaBowl, no qual Denver venceu Pittsburgh por 45 a 16.

Desde sua primeira temporada, a AFL se mostraria um grande sucesso; hoje a liga conta com 8 times - o mais curioso deles sendo o Los Angeles Kiss, cujos donos são Gene Simmons e Paul Stanley, membros da banda de rock Kiss - mas, nas temporadas de 2001, 2004 e 2007, chegou a ter 19. Seu sucesso também motivaria a criação de várias outras ligas, como a AIF, a CIF, a IFL e a LFL, além de várias outras que já encerraram suas atividades, como a arenafootball2 (assim mesmo, em minúsculas), uma segunda liga de propriedade da AFL, que operou entre 2000 e 2009, e usava seus times como "vestibular" para jogadores que desejassem ingressar na AFL. Embora a AFL ainda seja a que atrai mais público e tem a maior renda, algumas outras ligas, por motivos vários, contam com mais times - a AIF, por exemplo, atualmente conta com 22.

À exceção da AFL e da arenafootball2, entretanto, as ligas tiveram, durante um bom tempo, um problema sério: em 1990, Foster conseguiria a patente não somente do nome Arena Football, mas também das regras do esporte - algo que eu acho muito bizarro; no Brasil, aliás, é proibido patentear regras de jogos e esportes. Isso significava que, quem quisesse fundar uma nova liga, ou deveria pagar royalties à AFL, ou mudar as regras de forma que a justiça considerasse que eram dois esportes diferentes no caso de um eventual processo movido pela AFL. A patente expirou em 2007 e a AFL não conseguiu renová-la, mas, por preferência dos jogadores, dos donos dos times ou do público, cada liga ainda mantém algumas regras próprias, que considera melhores que as da AFL. Como eu vou falar das regras a partir de agora, cabe ressaltar, portanto, que as regras que eu vou abordar são as da AFL, podendo existir regras diferentes em outras ligas. Ah, sim, e o nome "Arena Football", embora usado de forma informal para o esporte como um todo, ainda continua registrado da AFL, o que leva as outras ligas a usar o nome Indoor Football. Também vale citar que, exceto pelo exposto aqui, as regras são iguais às do futebol americano de campo.

O Arena Football é jogado em uma arena de 26 m de largura por 61 m de comprimento. Normalmente são usadas arenas de hóquei no gelo - inclusive porque o campeonato do Arena Football é jogado no intervalo entre uma temporada de hóquei no gelo e a seguinte, então aproveitam que a arena está lá parada mesmo - mas qualquer ginásio coberto do tamanho apropriado pode ser usado. A superfície é de grama sintética, e, ao redor da área de jogo, é colocada uma proteção acolchoada, o que faz com que os jogadores, e, por consequência, a bola, não possam sair pelas laterais. A área de jogo possui 50 jardas (45,72 m), com as 8 jardas (7,64 m) restantes de cada lado constituindo a end zone. A área de jogo é dividida jarda a jarda com dois traços pontilhados próximos à metade de sua largura, e com linhas cheias a cada cinco jardas. O "meio do campo" é a linha de 25 jardas, e a contagem é decrescente na direção de cada end zone - ou seja, para ambos os lados, após a linha de 25 jardas vem a de 20, a de 15, a de 10, a de 5 e a linha de gol.

Assim como no futebol americano de campo, cada time tem 4 tentativas (downs) para fazer com que a bola avance 10 jardas a partir do ponto onde a primeira tentativa se iniciou; se conseguir, ganha mais quatro; caso não consiga, a posse de bola passa para o adversário no ponto onde a bola parou após a quarta tentativa. Como o campo é curto, não existe o punt (o chute com o qual um time devolve a posse de bola para o outro na quarta tentativa para fazer com que ele comece sua primeira tentativa de mais longe), por isso, normalmente, na quarta tentativa os times já arriscam o field goal. Os gols também estão posicionados nas linhas de fundo e possuem formato de Y como os do campo, mas são mais altos (o travessão fica a 4,6 m de altura, contra 3 m no campo) e mais estreitos (2,7 m de largura, contra 5,6 m no campo). Os gols da AFL (mas não das outras ligas) ainda possuem uma curiosidade: todo o espaço entre as traves e as laterais do campo conta com uma rede; caso a bola bata nessa rede (ou nas traves) e volte para o campo, ela é considerada "viva", ou seja, o time que pegá-la pode continuar jogando normalmente - exceto se ela bater no chão antes que alguém a pegue, quando a jogada é considerada encerrada.

A principal forma de pontuação, assim como no campo, é o touchdown, que consiste em fazer com que a bola cruze a linha de gol. Um touchdown vale 6 pontos, e dá ao time que o marcou o direito a uma conversão: se, nessa conversão, o time fizer com que a bola passe novamente pela linha de gol, começando a jogada da linha (imaginária) de 2 jardas e meia, ganha mais dois pontos; se optar por um "mini field goal", com a bola partindo da linha de 2 jardas e meia para a mão de um holder (jogador que tem como função segurá-la para ser chutada) e então chutada pelo kicker para dentro do gol, ganhará mais um ponto; e, caso opte por um drop goal, com a bola partindo da linha de 2 jardas e meia diretamente para a mão do kicker, que então a quicará no chão e a chutará para dentro do gol, ganhará mais dois pontos. Caso uma tentativa de conversão seja bloqueada ou interceptada, e o time defendendo consiga levar a bola até a outra linha de gol, não marcará um touchdown, mas sim apenas dois pontos.

O touchdown é mais frequente - devido ao tamanho da área de jogo - no Arena Football que no campo, mas, mesmo assim, não é a forma mais frequente de pontuação; assim como no campo, esse posto pertence ao field goal, no qual a bola sai do ponto onde havia parado por último para as mãos do holder, e então é chutada pelo kicker. Caso o kicker acerte o gol, seu time ganhará 3 pontos. Durante o jogo, qualquer jogador também pode tentar quicar a bola no chão e chutá-la em direção ao gol, no chamado drop goal, que vale 4 pontos caso a bola acerte o gol. E, caso um jogador seja derrubado dentro de sua própria end zone enquanto está com a posse da bola, o time que o derrubou fará um safety, ganhando dois pontos.

Nos kickoffs (os chutes que dão início e reinício à partida), devido ao tamanho da área de jogo, a bola é posicionada na linha de gol, exceto após um safety, quando o time que sofreu o safety a chuta a partir da linha de 5 jardas. Caso a bola, após um kickoff, saia dos limites do campo ou acerte parte da estrutura do ginásio antes de tocar o campo ou um jogador, o time recebendo o kickoff começará sua jogada da linha de 20 jardas ou da posição onde a bola saiu, o que for mais vantajoso; caso ela quique na end zone e depois saia de campo, nas redes dos lados do gol e toque no chão antes de alguém conseguir pegá-la, ou passe por dentro do gol, o time recebendo o kickoff começará sua jogada da linha de 5 jardas; caso ela quique nas redes dos lados do gol e alguém a pegue antes de ela sair de campo ou tocar no chão, poderá sair jogando normalmente. Caso o jogador seja derrubado dentro de sua end zone após o kickoff, não será safety, e seu time começará jogando da linha de duas jardas e meia.

Cada time de Arena Football é composto de 20 jogadores, sendo que apenas 8 estão em campo de cada vez, ficando os outros 12 no banco. Diferentemente do que ocorre no campo, os jogadores não são especializados (à exceção do quarterback e do kicker), sendo comum que um mesmo jogador atue no time de ataque e no de defesa, em diferentes posições. Até 2007, as substituições na AFL eram limitadas, com cada jogador substituído devendo ficar fora do jogo até o final daquele quarto (à exceção de cinco escolhidos pelo time antes do jogo, incluindo sempre o quarterback, o kicker, dois defensive backs e um wide receiver ou running back); a partir de 2007, as substituições passaram a ser livres, o que foi alvo de muitas críticas, com muitos temendo que os times passassem a adotar especialistas para o ataque e para a defesa, como no campo; até agora, porém, essa preocupação se mostrou infundada, pois ainda há um grande número de jogadores que atuam tanto no ataque quanto na defesa.

Uma partida de Arena Football também dura quatro quartos de 15 minutos cada, mas, diferentemente do que ocorre no campo, o relógio não para, exceto a critério do árbitro para aplicar penalidades ou possibilitar atendimento médico, e no último minuto de cada quarto, em caso de passe incompleto, de a bola sair de campo ou de o time que está com a bola não conseguir fazer com que ela avance além da linha de scrimmage (a linha imaginária onde a bola é posicionada no início de cada jogada), tendo essa última regra sido criada para evitar que os times que estão ganhando fiquem esperando o relógio zerar ao invés de continuar jogando, como é comum no futebol americano de campo. Cada time tem direito a três pedidos de tempo por quarto, durante os quais o relógio também para. Caso o tempo normal termine empatado, são disputadas sucessivas prorrogações de 15 minutos cada com "morte súbita", ou seja, quem marcar primeiro vence.

Na falta de outras ligas de futebol americano profissional de campo, a AFL e as demais ligas de Arena (ou Indoor) Football preenchem um vácuo, com seus times contratando jogadores recém-saídos das universidades e que desejam continuar jogando futebol americano, mas que não conseguiram contrato com os times da NFL nem da CFL (a liga profissional de futebol americano do Canadá, que também costuma ser o destino de muitos jogadores universitários dos Estados Unidos após concluírem seus estudos). Muitos desses jogadores, inclusive, após algumas temporadas no Arena Football, conseguem migrar para a NFL ou para a CFL, e também não é incomum que ex-jogadores da NFL e da CFL passem a jogar Arena Football ao ficar sem contrato. Mas talvez a maior parte da popularidade do Arena Football ainda venha do fato de que ele não "rivaliza" com a NFL nem com o futebol americano universitário, já que a temporada do Arena Football vai de fevereiro/março a julho/agosto, enquanto as da NFL e do College vão de setembro a janeiro/fevereiro, o que dá ao fã de futebol americano a oportunidade de acompanhar seu esporte preferido durante o ano todo.

Antes de encerrar, eu gostaria de falar de uma outra liga de Arena Football, que conta com peculiaridades, digamos, bem interessantes. Essa liga se chama LFL, que, atualmente, é a sigla para Legends Football League, mas, em sua fundação, a sigla significava Lingerie Football League. E, como provavelmente eu sei o que vocês estão pensando, posso responder que esse nome era por causa disso mesmo.

Pouca gente sabe, mas existe futebol americano feminino. Com certeza ele não chega nem perto da popularidade do masculino, mas, mesmo assim, existe um Campeonato Mundial feminino (já realizado em 2010 e em 2013, ambos com os Estados Unidos terminando em primeiro, o Canadá em segundo, a Finlândia em terceiro e a Alemanha em quarto, com uma próxima edição prevista para 2017) e vários países possuem até campeonatos profissionais, incluindo os Estados Unidos, onde a principal liga é a IWFL (Independent Women's Football League), que conta com 36 times. Assim como ocorre com o futebol "normal", o futebol americano feminino usa as mesmíssimas regras do masculino, inclusive em relação às dimensões do campo e ao equipamento de proteção - ou seja, as moças também devem usar capacetes, ombreiras, protetores bucais e caneleiras.

Como os homens não têm jeito mesmo, um dia alguém deve ter pensado que não era nada sexy as atletas jogarem com os mesmos uniformes dos homens, e que o esporte seria mais atraente caso elas jogassem de lingerie. Na verdade, eu acho que até mais de uma pessoa deve ter pensado isso, mas o único que decidiu fazer alguma coisa a respeito foi o empresário Mitch Mortaza. Em 2003, ele começaria a captar patrocínio para um "Lingerie Bowl", um jogo único entre duas equipes, o Team Dream e o Team Euphoria, formado não somente por jogadoras amadoras e semi-profissionais, mas também por modelos e por basicamente qualquer uma que tivesse um corpo atraente e não se incomodasse de jogar futebol americano de sutiã e calcinha na frente de uma plateia e sendo transmitida ao vivo pela TV. Após os primeiros testes, porém, ficaria claro que jogar de lingerie não era prático - além de proporcionar lesões, ainda havia o risco de uma jogadora ficar seminua no meio da partida, o que poderia ser malvisto por canais de TV interessados em transmiti-la ao vivo - de forma que seria criado um uniforme mais “profissional”, mas, ainda assim, bastante ousado, composto por um top minúsculo e um short tão curto que deixa à mostra a maior parte das nádegas, mais vários equipamentos de segurança, como caneleiras, cotoveleiras, um capacete de hóquei (com um acrílico transparente na frente ao invés de uma grade) e ombreiras do mesmo tipo usado pelos jogadores de campo. Nos primeiros anos esse uniforme incluía uma cinta-liga, posteriormente abandonada por razões de praticidade.

O primeiro Lingerie Bowl seria um evento comercializado em pay per view, disputado em uma arena montada no gramado do Los Angeles Memorial Coliseum (Estádio Olímpico das Olimpíadas de 1984), iria ao ar durante o intervalo do Super Bowl XXXVIII, em fevereiro de 2004, contaria com celebridades como a playmate da Playboy Jenny McCarthy e o jogador de basquete Dennis Rodman como comentaristas, e faria um enorme sucesso - tanto que garantiria pelo menos mais duas edições, em 2005 e 2006. Em 2005, aliás, Mortaza teria a ideia de fazer com que os times representassem as duas maiores cidades dos Estados Unidos, renomeando-os para Los Angeles Temptation e New York Euphoria, nome que mantiveram para 2006.

Para 2007, entretanto, Mortaza não conseguiu o aluguel do Los Angeles Memorial Coliseum, e, sem conseguir um novo local de jogo a tempo, acabou tendo de cancelar o evento. Ele tentaria de novo em 2008, mas aí não conseguiria os patrocínios necessários, e acabaria cancelando novamente. Para 2009, o Caliente Resorts, localizado em uma praia de nudismo na Flórida, decidiria patrocinar o evento, montando uma arena em suas dependências. Já estava tudo certo para que o jogo ocorresse em 31 de janeiro daquele ano, com até os nomes dos times, Miami Caliente e Tampa Breeze (representando as duas maiores cidades da Flórida), já tendo sido escolhidos, mas aí o problema foi com a televisão: preocupados de que os nudistas do resort decidissem ir assistir ao jogo e acabassem aparecendo ao vivo e peladões, nenhum canal de TV aceitou televisionar o evento, que, pela terceira vez seguida, seria cancelado.

Esses três cancelamentos seguidos poderiam ter sido o fim do Lingerie Bowl, se não fosse um detalhe: Mortaza se surpreenderia não somente quanto ao interesse do público em assistir no local (ou seja, pagando ingresso) os cancelados eventos de 2008 e 2009, mas também com a quantidade de jogadoras interessadas em participar deles - assim como no masculino, aparentemente existiam mais jogadoras de futebol americano do que times para contratá-las. Após uma pesquisa de mercado, Mortaza chegou à conclusão de que uma liga feminina de Arena Football era viável, e decidiu fundar a Lingerie Football League. E, se vocês acham que o fato de ter de usar o uniforme ousado espantaria as jogadoras, saibam que, para sua primeira temporada, a LFL já contou com 10 times, todos formados por jogadoras profissionais, sem que qualquer modelo ou transeunte disposta a jogar em roupas provocantes precisasse ser contratada para completar as equipes.

A primeira temporada da LFL teria início em 4 de setembro de 2009, na cidade de Chicago, onde o Miami Caliente enfrentou o Chicago Bliss, e se concluiu com o Lingerie Bowl VII (eles decidiriam manter a numeração dos cancelados), realizado em Hollywood, Flórida (não é a mesma Hollywood dos filmes, que é um bairro de Los Angeles), com vitória do Los Angeles Temptation sobre o Chicago Bliss por 27 a 14. A partir de então, a LFL teria temporadas todos os anos, sem nenhum cancelamento - apesar de uma "reestruturação estratégica" ao final da temporada de 2011, quando a liga passou a jogar entre março/abril e agosto ao invés de entre setembro e janeiro/fevereiro, para que seus jogos não coincidissem com os de hóquei no gelo e mais arenas estivessem disponíveis; por causa disso, não houve nenhum jogo da LFL entre e 21 de janeiro de 2012 e 30 de março de 2013.

No início de 2013, buscando uma imagem mais profissional, a liga abandonaria a palavra "lingerie", passando seu primeiro L a significar "legends" ("lendas", em inglês, palavra provavelmente só escolhida porque é positiva e também começa com L) e o Lingerie Bowl passando a se chamar Legends Cup. Hoje, a LFL é um grande sucesso, e já conta com três campeonatos diferentes: o dos Estados Unidos, atualmente com oito times (mas que já chegou a ter 12, em 2011 e 2013), o do Canadá e o da Austrália, atualmente com quatro times cada. Também está em fase de planejamento a LFL Europe, que teria times de diferentes cidades europeias, e o LFL World Bowl, que reuniria os times campeões dessas quatro ligas para determinar o "campeão mundial".

As regras da LFL são praticamente as mesmas do Arena Football, mas com algumas diferenças, começando pelo fato de que não existem gols - ou seja, a única forma de se marcar pontos é fazendo um touchdown. Um touchdown vale seis pontos, e, após conseguir um, o time pode tentar uma conversão que vale um ponto extra, com a bola partindo da linha de uma jarda, ou uma que vale dois pontos extras, com a bola partindo da linha de três jardas. Só é permitido usar o punt caso a bola esteja entre a sua própria linha de 10 jardas e a sua end zone, caso contrário, o time é obrigado a tentar avançar a bola na quarta tentativa; e o kickoff só é usado no início do jogo e do terceiro quarto, com o time que sofreu os pontos já começando com a bola de sua linha de 10 jardas após cada touchdown. Os times da LFL também são menores, com apenas 14 jogadoras, sendo que apenas 7 podem estar em campo de cada vez; e os jogos são mais curtos, com quatro quartos de dez minutos cada. Caso o jogo termine empatado, é disputado mais um quarto de 8 minutos; caso o empate persista após essa prorrogação, o jogo termina empatado mesmo, exceto no caso de um jogo eliminatório, quando são jogados mais quartos sucessivos de 8 minutos cada com direito a morte súbita - ou seja, sendo declarado vencedor quem pontuar primeiro.

Em termos de popularidade, a LFL já é mais famosa e atrai mais público (e mais jogadoras) do que as ligas femininas de futebol americano de campo, e só não é hoje considerada a principal liga feminina de futebol americano por uma certa resistência de parte da imprensa esportiva, que, assim como boa parte do público, ainda considera a liga como sendo uma apelação para atrair o público masculino. O que é totalmente injusto, já que as jogadoras não estão lá para mostrar o corpo, e sim para jogar futebol americano - assim como ocorre com as ligas masculinas de Arena Football, a LFL supre uma demanda, dando oportunidade às moças que querem jogar mas não a teriam se fossem depender apenas dos times de campo. Quem assiste aos jogos, aliás, pode comprovar que elas jogam sério, e que, uniforme à parte, não há nada provocante ou sexualmente apelativo durante as partidas - e, uniforme por uniforme, o do vôlei de praia também é ousado e ninguém diminui o esporte por causa disso. A LFL pode ter começado com uma visão machista, mas a cada dia se torna um esporte feminino legítimo - aliás, não duvido nada que a opinião das jogadoras tenham tido peso na decisão de deixar de usar a palavra "lingerie", e que, em um futuro próximo, talvez elas até consigam fazer a liga aumentar o tamanho dos shorts com que jogam.
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

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Futebol Americano Universitário

Eu adoro assistir futebol americano. Desde que descobri as regras desse esporte, há uns vinte anos (já? Credo!), ele entrou para a lista dos meus preferidos, e já há uns dez anos ele ocupa o topo dessa lista. Não por um acaso, evidentemente, o futebol americano foi o primeiro esporte sobre o qual eu decidi falar aqui no átomo, inaugurando uma das categorias para as quais eu mais gosto de escrever posts.

Naquela ocasião, eu fiz um post já meio com o padrão de como seriam meus demais posts esportivos, falando sobre as origens (quase nada, reconheço), as regras (até de forma bem detalhada) e os principais torneios. Na ausência de uma Copa do Mundo que preste ou de uma improvável participação nas Olimpíadas, o principal torneio de futebol americano do planeta é o da NFL, a National Football League, liga profissional de futebol americano dos Estados Unidos - sobre a qual eu também falei um pouquinho naquele post.

Acontece, porém, que já há um bom tempo o campeonato da NFL não é meu preferido. Eu tenho um time do coração (o Kansas City Chiefs), assisto a todos os jogos que consigo e fico bem empolgado para assistir ao Super Bowl, mas já há uns bons anos eu tenho preferido assistir a um outro campeonato, o da NCAA. Que, diferentemente da NFL, não é disputado por jogadores profissionais, e sim por universitários. Sim, o torneio da NCAA é o famoso college football, disputado por times das universidades norte-americanas, compostos por alunos dessa universidades, sendo que muitos deles ganham bolsas de estudo para defender o time.

Em termos de público e de valores monetários, o torneio da NCAA, evidentemente, não chega nem perto da NFL, mas ainda assim é extremamente popular nos Estados Unidos - existe até uma piada que diz que o esporte mais popular dos Estados Unidos é o futebol americano, o segundo é o futebol americano universitário, e o terceiro lugar está vago, devido à grande procura por ingressos e audiência da televisão do college football até mesmo quando comparado com outras ligas de respeito, como o basquete da NBA ou o beisebol da MLB. Em termos de regras, apenas um detalhezinho ou outro é diferente - por exemplo, na NFL, se o jogador cair no chão mas ninguém encostar nele, ele pode se levantar e prosseguir com a jogada, enquanto no college a jogada acaba ali, como se ele tivesse sido derrubado - mas, em termos de emoção, eu vejo uma grande vantagem para o torneio universitário: jogos mais disputados, placares mais apertados, erros mais frequentes - afinal, eles são jovens e não são profissionais - ingredientes capazes de transformar qualquer partida a princípio sem muito destaque em um embate memorável. A única coisa que eu lamento em relação ao college é que pouquíssimos jogos da temporada regular são transmitidos aqui para o Brasil - embora, felizmente, quase todos os bowls, os jogos decisivos da pós-temporada, o sejam.

Ano passado (ou melhor, retrasado, no final de 2013), eu quase escrevi um post sobre futebol americano universitário, mas acabei desistindo por achar que não valia a pena, já que eu já havia escrito um sobre futebol americano. Esse ano, a vontade veio de novo, e dessa vez eu resolvi me render, por dois motivos: primeiro, percebi que havia muitos detalhes interessantes próprios do futebol universitário que eu poderia abordar, como os próprios bowls. Segundo, porque no meu primeiro post sobre o futebol americano eu quase não falei sobre sua origem, então seria uma boa oportunidade, já que o futebol americano profissional é descendente direto do universitário. Diante disso, vamos em frente, pois hoje é dia de futebol americano universitário no átomo!

O futebol americano é um descendente direto do rugby, que, por sua vez, é um descendente direto do futebol. Não o futebol que conhecemos hoje e que tornou o Brasil conhecido no mundo inteiro, que é até mais recente que o rugby, mas outro futebol. Qual, ninguém sabe, já que, no século XVIII, na Inglaterra, existiam por volta de cem esportes diferentes chamados "futebol". Isso porque eles eram muito criativos, então colocavam esse nome - junção das palavras foot, "pé", e ball, "bola", em inglês - em qualquer esporte no qual a bola fosse chutada ou conduzida com o pé a qualquer momento da partida. Até mesmo o rugby, quando criado, se chamava rugby football, mesmo a bola sendo conduzida muito mais com as mãos que com os pés. O mesmo ocorre, por exemplo, com o futebol gaélico e com o futebol americano - que, aliás, é conhecido nos Estados Unidos apenas como football, sendo o "nosso" futebol conhecido como soccer, contração da palavra "association", presente no nome oficial do esporte - FIFA, por exemplo, significa, em francês, "federação internacional de futebol association" - porque a primeira entidade a codificar suas regras foi a Football Association, que é tipo a CBF da Inglaterra.

Mas isso não tem nada a ver com o futebol americano universitário. O que tem a ver é que esses futebóis todos da Inglaterra do século XVIII eram jogados, principalmente, por estudantes em suas respectivas universidades. Muitos desses estudantes, por sua vez, se alistavam no exército, e eram enviados para as colônias britânicas. Por volta de 1860, um grupo desses soldados foi enviado ao Canadá, e levou consigo as regras do rugby. Logo o rugby se tornaria bastante popular nas universidades canadenses, e acabaria tendo suas regras adaptadas de acordo com o gosto e as necessidades dos alunos de lá. A mais importante dessas adaptações seria feita na Universidade de Toronto, em 1864: partindo das regras do rugby, dois alunos, Barlow Cumberland e Frederick Bethune criariam um conjunto de regras que seria adotado por praticamente todas as universidades da região.

Como Toronto fica bem perto dos Estados Unidos, logo o esporte chegaria também até lá. O primeiro jogo entre times de duas universidades diferentes ocorreria em 6 de novembro de 1869, em New Brunswick, Nova Jersey, entre a Universidade de Rutgers e a Universidade de Princeton, com vitória de Rutgers (os donos da casa) por 6 a 4. As regras eram completamente diferentes das do futebol americano que conhecemos hoje (e do rugby também, por um acaso), sendo até bem parecidas com as do futebol, mas, mesmo assim, esse é considerado como o primeiro jogo da história do futebol americano universitário, e Rutgers costuma se autodenominar The Birthplace of College Football - algo como "o local onde o futebol universitário nasceu". É por causa desse jogo, aliás, que o futebol americano se chama simplesmente football - nome importado da Inglaterra que acabou pegando entre os alunos universitários - ao invés de ganhar um nome próprio qualquer como o rugby.

O futebol americano da forma como é jogado hoje surgiria alguns anos mais tarde, em 1880, na Universidade de Yale. Walter Camp, aluno do curso de medicina e jogador do time de futebol, sugeriu várias mudanças nas regras adotadas na época pela universidade, que eram praticamente idênticas às do rugby. Foi Camp, por exemplo, quem criou o snap, o movimento com o qual o center entrega a bola para o quarterback passando-a por entre suas pernas; o safety, situação que confere dois pontos a um time que derrube um jogador adversário que tenha a posse de bola dentro de sua própria end zone; e detalhes como quantos pontos valiam o touchdown e o field goal, quantos jogadores deveria ter cada time, e como os jogadores ficariam arrumados no início de cada jogada, dentre outras.

Mas a modificação mais importante introduzida por Camp foi a linha de scrimmage: no rugby, um jogador que cai com a bola é obrigado a soltá-la, podendo outro de seu próprio time pegá-la e continuar jogando ou um adversário roubá-la; Camp modificou essa regra, fazendo com que o time que está atacando tenha posse indisputada da bola (ou seja, o adversário não pode pegá-la após o jogador cair), com a mesma sendo colocada, ao fim de cada jogada, sobre uma linha imaginária que corta o campo no sentido da largura, de onde começará a jogada seguinte. Além disso, uma regra do rugby da época (hoje ainda presente na versão do jogo conhecida como rugby league, mas não na mais famosa, conhecida como rugby union) determinava que os jogadores de um mesmo time só podiam ser derrubados quatro vezes seguidas (hoje, no rugby league, são seis) antes de serem obrigados a ceder a bola para o adversário - ou seja, nas três primeiras vezes em que os jogadores fossem derrubados, seu próprio time poderia recuperar a bola, na quarta, a bola iria automaticamente para o adversário. Camp também adaptou essa regra, dando a cada time quatro oportunidades para avançar dez jardas, que correspondiam a um décimo do comprimento total do campo; conseguindo, a posse de bola continuava com o mesmo time, não conseguindo, ela passaria no ponto onde estava para as mãos do adversário. Essas duas mudanças foram consideradas essenciais para a separação definitiva entre o futebol americano e o rugby, e Camp passou a ser considerado o "pai do futebol americano".

Vale dizer que, embora eu já tenha lido isso em alguns lugares, Camp não inventou a bola oval. Inventada pelo sapateiro Richard Lindon, ela já era usada na Inglaterra para o rugby desde 1870, por ser mais fácil de carregar do que a redonda, e passou a ser usada também nos Estados Unidos após um jogo da Universidade de Harvard contra a canadense Universidade McGill, em Québec, Canadá, onde as bolas usadas foram desse tipo. A bola de futebol americano é hoje diferente da de rugby porque o processo de fabricação era diferente - a de futebol americana era feita de uma bexiga de porco inflada, coberta de pele de porco e costurada com um cordão, enquanto a de rugby misturava couro e borracha - e hoje, mesmo sendo de borracha e materiais sintéticos, as bolas de futebol americano mantêm o mesmo design, inclusive com o "cordão" branco, hoje feito de borracha. Uma bola de futebol americano é da cor marrom, tem 30 cm de comprimento, 15 cm de largura no ponto mais largo, e pesa entre 400 e 430 g.

As regras criadas por Camp se tornaram um sucesso gigantesco, e logo passaram a ser adotadas por todas as universidades que tinham times de futebol americano. Junto com a popularidade, porém, a violência do jogo também aumentava - o estereótipo do futebol americano, onde um coitado pega a bola e é imediatamente soterrado por um bando de truculentos, era tristemente verdade nos primeiros anos, com muitos jogadores até chegando a morrer devido à violência dos choques contra os adversários. Preocupado com a questão, o presidente dos Estados Unidos na época, Theodore Roosevelt, organizou uma reunião, em 1906, na Casa Branca, com os líderes dos times das treze maiores universidades do país. Como eles não conseguiram chegar a um consenso quanto à melhor forma de coibir a violência, Roosevelt decidiu que a única forma de garantir a integridade física dos jogadores sem banir o jogo era através de um órgão regulador. Assim, ele criaria, naquele mesmo ano, a IAAUS, a Associação Atlética Intercolegial dos Estados Unidos, que seria responsável pela codificação das regras do esporte, pela organização dos campeonatos e por todas as ações necessárias para garantir a integridade física dos jogadores, bem como seu desenvolvimento acadêmico - ou seja, garantir que nenhum aluno se matriculasse na universidade apenas para fazer parte do time, jamais concluindo curso nenhum.

A IAAUS começaria responsável apenas pelo futebol americano, mas, nos anos seguintes, passaria a cuidar de praticamente todos os esportes universitários. Ela também seria responsável por duas importantes mudanças nas regras: a possibilidade de cada time poder fazer um passe para a frente por jogada - até então, como no rugby, os passes só podiam ser feitos lateralmente ou para trás - e a proibição das jogadas nas quais os jogadores atuavam "em bloco", mais ou menos como o maul do rugby, e que eram responsáveis pela maior parte das lesões e mortes.

Em 1910, a IAAUS mudaria de nome para aquele pelo qual ela é conhecida até hoje: NCAA, da sigla em inglês para Associação Atlética Universitária Nacional. Hoje, a NCAA regula nada menos que 23 esportes universitários (atletismo, basquete, beisebol, boliche, cross country, esgrima, esqui alpino, futebol, futebol americano, ginástica olímpica, golfe, hóquei, hóquei no gelo, lacrosse, luta olímpica, natação, polo aquático, remo, saltos ornamentais, softbol, tênis, tiro esportivo e vôlei), em um total de 89 campeonatos, sendo 42 masculinos, 44 femininos e 3 mistos, por ano (alguns esportes têm mais de um campeonato, de mais de uma Divisão, por isso há mais campeonatos que esportes). Curiosamente, a NCAA tem autonomia para modificar as regras dos esportes que regula, desde que essas modificações não alterem a essência do jogo - no vôlei, por exemplo, os sets são de 30 pontos e os líberos podem sacar, o que não acontece em torneios da FIVB, por exemplo. Raramente, pode ocorrer de essas mudanças da NCAA também serem adotadas oficialmente por outras entidades - foi a NCAA, por exemplo, quem primeiro exigiu o uso de capacetes e ombreiras para os jogadores de futebol americano; antes disso, eles usavam apenas toucas de couro, semelhantes às do rugby. E, algumas vezes, também ocorre de a NCAA não respeitar uma mudança introduzida pela federação internacional de um esporte - a FIBA mudou a contagem do tempo no basquete para quatro tempos de 10 minutos cada, mas a NCAA ainda usa a contagem antiga de dois tempos de 20 minutos cada.

É importantíssimo notar que a NCAA possui regras rígidas quanto à participação dos alunos nos jogos, exatamente para garantir o tal do desenvolvimento acadêmico. Para começar, embora os técnicos e outros profissionais ligados ao time, como roupeiros e massagistas, possam receber salários, os jogadores (conhecidos como student-athletes) não podem. Um atleta que receba qualquer tipo de salário ou compensação financeira (como direito de imagem) fica imediatamente impedido de jogar por qualquer universidade; a única exceção são as bolsas de estudo, cujo dinheiro deve ser usado integralmente para pagar a anuidade da universidade, professores particulares ou material escolar. Em segundo lugar, cada aluno só pode competir no máximo durante quatro anos - todos os cursos universitários nos Estados Unidos têm duração de quatro anos, com exceção dos chamados Junior Colleges, semelhantes ao nosso curso de tecnólogo, que duram dois. Como ter boas notas é pré-requisito para poder defender a universidade - alunos que sejam reprovados sucessivamente em alguma matéria acabam excluídos do time - supõe-se que nenhum deles vá levar mais que quatro anos para concluir o curso, mas essa regra existe mesmo assim para assegurar que uma universidade não "perdoe" as notas ruins de um aluno só porque ele é bom jogador. Outro ponto importante é que cada time tem um número máximo de atletas que podem receber bolsa de estudos por ano, para evitar que uma universidade consiga vantagem sobre as outras por oferecer bolsa a todos os melhores jogadores disponíveis.

Um aparte: todos os cursos nos Estados Unidos duram quatro anos, e, curiosamente, os alunos recebem apelidos de acordo com o ano em que estão: Freshman, Sophomore, Junior e Senior, respectivamente. Esses apelidos não se referem apenas aos esportes, sendo usados em toda a vida acadêmica (dizer "I'm a Senior", por exemplo, equivale a dizer que está cursando o último ano da universidade), com os atletas também costumando ser identificados por eles - aparecendo na tela, por exemplo, "John Smith, Sophomore".

Também é importante frisar que nem toda universidade filiada à NCAA compete em todos os esportes, sendo livre para escolher quais esportes oferecerá em seu programa, e que nem todas as universidades dos Estados Unidos são filiadas à NCAA - existe uma organização rival, a NAIA, Associação Atlética Intercolegial Nacional, que regula 12 esportes, incluindo, também o futebol americano; e a NJCAA, que tem como membros apenas Junior Colleges.

Mas o que nos interessa não é a NAIA nem a NJCAA, e sim a NCAA, pois é ela que organiza o torneio conhecido coloquialmente como college football - embora, teoricamente, o da NAIA também possa usar esse nome, já que o termo significa simplesmente "futebol americano universitário". Atualmente, a NCAA conta com 1.281 membros, dos quais 636 são universidades que oferecem o futebol americano para seus alunos. Como um torneio com 636 times seria bastante difícil de organizar, a NCAA decidiu dividir essa gente toda em três Divisões, conhecidas como Division I, Division II e Division III.

O critério de divisão (sem trocadilho) é puramente técnico: à Division I pertencem as universidades que têm o maior orçamento para a parte esportiva e oferecem o maior número de bolsas de estudo a seus alunos que desejam representá-la nos esportes - em outras palavras, aquelas que, na teoria, conseguiriam montar os melhores times, "colhendo" os melhores atletas nas escolas. Pertencem às Divisions II e III as demais universidades, estando a diferença no fato de que as da Division II oferecem bolsas de estudo a atletas, enquanto as da Division III, não. A "fama" de uma universidade não influencia em sua Divisão - universidades famosas como a Johns Hopkins e o MIT são Division III, pois não oferecem bolsas de estudo a atletas. Atualmente, a Division I conta com 252 universidades, a II com 171, e a III com as outras 213. A Division I também é subdividida em Division I FBS (de Football Bowl Season, antigamente chamada Division I-A), atualmente com 128 membros, e Division I FCS (de Football Championship Season, antigamente chamada Division I-AA), atualmente com 124. A subdivisão ocorreu em 1978, e, na época, não foi criada uma "Division IV" porque o critério para ambas as subdivisões é o mesmo; a única diferença é que as universidades da FBS têm o direito de participar dos bowls, enquanto as da FCS têm um sistema de jogos eliminatórios para determinar o campeão. Como o critério de divisão é técnico, não existe acesso nem descenso (o campeão da Division II não sobre para a I no ano seguinte, por exemplo), embora, ao final de cada ano, as universidades possam pedir uma "reavaliação" para mudar de Divisão.

Além de serem filiadas diretamente à NCAA, as universidades também são filiadas a Conferências - e as Conferências também são filiadas à NCAA, ou seja, também contam para o total de 1.281 membros, assim como laboratórios anti-doping e outras entidades que não são universidades. Uma Conferência é uma entidade particular sem fins lucrativos que atua como "facilitador" para as universidades, principalmente na parte financeira - ajudando com custos de viagem e conseguindo contratos para os jogos passarem na TV, dividindo o dinheiro com as universidades cujos times serão televisionados, por exemplo. Outra vantagem é que, durante a temporada regular, cada time tem de fazer 12 jogos; se a universidade for filiada a uma Conferência, oito desses jogos serão obrigatoriamente contra outros times da mesma Conferência (os chamados jogos intraconferência), o que garante uma tabela estável e uma melhor preparação para o ano. Os outros quatro jogos (os chamados interconferência) serão contra times de outras conferências, e aí a universidade pode "dar sorte" de pegar times fracos ou "azar" de pegar times fortes. No caso da Division I, times da FBS podem enfrentar times da FCS e vice-versa nos jogos interconferência.

As Conferências não são vinculantes, ou seja, uma universidade pode trocar de Conferência quando quiser, desde que a nova a aceite como membro - a maioria das Conferências usa um critério regional, então um time da Costa Leste dificilmente conseguirá se filiar a uma Conferência da Costa Oeste. Uma universidade não é obrigada a se filiar a uma Conferência - a Universidade de Notre Dame, uma das mais famosas dos Estados Unidos, tradicionalmente não é filiada a nenhuma - atuando como Independente, mas aí não terá o apoio financeiro e terá o risco de ter uma tabela mais difícil, pois todos os seus 12 jogos serão "interconferência". Também é importante frisar que uma universidade não precisa ser da mesma Conferência para todos os esportes (até porque algumas Conferências não atuam em todos os esportes), sendo perfeitamente possível, por exemplo, uma universidade ser filiada a uma Conferência para o futebol americano e a outra para outros esportes - Notre Dame, por exemplo, é Independente no futebol americano, mas membro da Hockey East para hóquei no gelo e da ACC para os demais esportes. Cada Conferência também só pode atuar em uma única Divisão, embora essa Divisão possa ser diferente de acordo com o esporte - uma mesma Conferência pode ser Division I no basquete e Division II no futebol americano, por exemplo. Como o critério para as duas subdivisões da Division I é o mesmo, mas as Conferências são diferentes, uma universidade FCS que queira passar a ser FBS não precisa pedir reavaliação à NCAA, basta conseguir se tornar membro de uma Conferência da FBS; após ser aceita, porém, ela ainda terá um "período provisional" de até três anos, durante os quais não poderá participar dos bowls.

Como cada time só enfrentará oito de seus rivais de Conferência, e apenas quatro dos mais de 100 adversários possíveis nos jogos interconferência, a NCAA desenvolveu uma fórmula, que faz com que a tabela de cada time seja diferente a cada temporada, e garante que os adversários interconferência não se repitam por vários anos seguidos. Como essa tabela não leva em conta a força dos adversários - o que nem seria possível, já que, como a filiação às Conferências é livre, pode ocorrer de uma Conferência ter apenas um time forte e vários fracos, o que fará com que os jogos intraconferência desse time forte sejam teoricamente fáceis - a NCAA desenvolveu um sistema interessante para evitar injustiças como, por exemplo, um time que teve adversários mais fracos terminar a temporada melhor colocado que um que teve adversários mais fortes: toda vez que for ocorrer um ranqueamento - "numerar" os times, do mais bem sucedido para o menos - não é levado em conta apenas o número de vitórias, mas fatores como a força dos oponentes de cada time, sua performance em cada jogo, resultados dos times contra oponentes comuns, e até mesmo uma votação dos melhores times de cada rodada, feita pela Associação dos Técnicos de Futebol Americano da América (AFCA). Isso faz com que o ranqueamento seja mais justo, mas também mais estranho: em 2014, por exemplo, a Universidade do Estado da Flórida terminou a temporada regular invicta, mas acabou ranqueada como número 3, atrás de dois times que tiveram uma derrota cada.

Também é interessante notar que, ao final da temporada regular, o time com mais pontos em cada Conferência é coroado campeão daquela Conferência. Caso a Conferência tenha 12 ou mais membros, a NCAA permite que eles sejam divididos em dois grupos (normalmente usando critérios geográficos, como Grupo Leste e Grupo Oeste); essa divisão não influencia os jogos intraconferência - não se dá prioridade a times do mesmo grupo - mas o campeão de um grupo deve enfrentar o do outro em um décimo-terceiro jogo para determinar o campeão da Conferência. Nas Divisions II e III, essa "final da Conferência" não conta para o ranqueamento, mas na Division I é levado em conta normalmente.

O campeonato da Division III conta com 30 Conferências, divididas nas Regiões Norte, Sul, Leste e Oeste - o que é feito para cortar custos, já que todos os jogos interconferência serão contra universidades de Conferências da mesma Região; pelo mesmo motivo, os Independentes também são divididos por Região. Também para cortar custos, e porque as Conferências da Division III costumam ter menos membros, na temporada regular cada time faz apenas 10 jogos, sendo 7 intraconferência. No final da temporada, os campeões de 24 das 30 conferências (determinadas por um comitê da NCAA, mas as mesmas desde 1973) se classificam automaticamente para os play-offs; os demais times, incluindo os campeões das seis outras conferências e os Independentes, são ranqueados. Os oito melhores segundo esse ranqueamento, independentemente de a qual Conferência pertençam, se juntam aos 24 campeões, para um total de 32 times.

Esses 32 times, então, são divididos em quatro grupos de oito times cada. Essa divisão não é feita por sorteio ou ranqueamento, mas pela NCAA seguindo critérios geográficos, para que os times não tenham de cruzar o país para enfrentar seus oponentes; um dos motivos é que, por regulamento, se o jogo for a mais de 800 Km da universidade visitante, a NCAA é quem paga o voo. Dentro desses grupos, então, os times são novamente ranqueados de 1 a 8 e pareados em jogos eliminatórios. A rigor, o 1 enfrenta o 8, o 2 enfrenta o 7, o 3 enfrenta o 6, e o 4 enfrenta o 5, mas a NCAA se reserva o direito de mudar os pares para que ninguém tenha de viajar mais de 800 Km. A partir de então é feito um chaveamento, que determinará quem enfrentará quem nas oitavas de final e nas quartas de final - que, a rigor, determinam o "campeão" de cada grupo de 8. A partir das oitavas de final, a NCAA não pode mais mudar os pareamentos, tendo de assumir o prejuízo se alguém for jogar longe. Os quatro campeões dos grupos se enfrentam nas semifinais, e os vencedores das semifinais, evidentemente, se enfrentam na final, que se chama Stagg Bowl.

As partidas da primeira rodada dos play-offs, as oitavas de final, quartas de final e semifinais são decididas em jogo único no estádio do time melhor ranqueado (de acordo com o ranqueamento de 1 a 8 feito para os play-offs). Como nas semifinais só resta um time de cada grupo, pode ocorrer de dois times com o mesmo ranqueamento se enfrentarem (tipo o time 1 de um grupo contra o time 1 de outro); nesse caso, a NCAA é quem decide onde será o jogo. O Stagg Bowl é sempre disputado em campo neutro; desde 1993 ele ocorre no Salem Football Stadium, na cidade de Salem, Virgínia (aquela das bruxas). Curiosamente, o Salem Football Stadium não pertence a uma universidade, mas ao Salem High School, uma escola de ensino médio. A atual campeã da Division III é a Universidade de Winsconsin em Whitewater, que ganhou em 2014 seu segundo título consecutivo de um total de 9. A maior vencedora é a Universidade de Mount Union, com 18 títulos.

O campeonato da Division II é semelhante. Conta com 15 Conferências, divididas por critérios geográficos em quatro Super Regiões (chamadas simplesmente de Super Região 1, 2, 3 e 4); os Independentes não fazem parte de nenhuma Super Região, e podem enfrentar times de qualquer uma das quatro nos jogos interconferência. Após a temporada regular, os times de cada Super Região são ranqueados, e se classificam para os play-offs os seis melhores de cada uma, independentemente de a quais Conferências eles pertençam, para um total de 24; um Independente pode "roubar" o lugar de um desses times caso tenha um ranqueamento melhor.

Uma vez que tenham sido ranqueados, os times de 3 a 6 de cada Super Região se enfrentam na primeira rodada, com o 3 enfrentando o 6, e o 4 enfrentando o 5. Nas oitavas de final, se o time 3 vencer, ele enfrentará o 2, e o vencedor de 4 x 5 enfrentará o 1; se o time 6 vencer, ele enfrentará o 1, e o vencedor de 4 x 5 enfrentará o 2 - assim, o melhor time, ranqueado como número 1, enfrentará sempre o pior "sobrevivente". As quartas de final servem como "final da Super Região", e os campeões de cada Super Região se enfrentam nas semifinais. Como na Division III, os jogos até as semifinais ocorrem sempre no estádio do time melhor ranqueado, com a NCAA escolhendo se houver empate. Os vencedores das semifinais se enfrentam na final, também sempre disputada em campo neutro - em 2014, após 29 anos disputada no Alabama, a final passou a ser no Sporting Park, de Kansas City, Kansas, estádio do time de futebol Sporting Kansas City, da Major League Soccer (MLS), principal liga profissional de futebol dos Estados Unidos. A atual campeã da Division II é a Universidade do Estado do Colorado em Pueblo, que conquistou esse ano seu primeiro título. A maior vencedora é a Universidade do Estado da Dakota do Norte com 5, mas que, desde 2003, não pertence mais à Division II, e sim à Division I FCS.

O campeonato da Division I FCS também usa um sistema de jogos eliminatórios para determinar o campeão. A temporada regular conta com 13 Conferências mais os Independentes, mas não é feito nenhum tipo de divisão regional. Duas das Conferências, curiosamente, por opção própria, não classificam nenhuma universidade para os play-offs: a Ivy League, que conta com as universidades mais antigas e de maior prestígio do país (Harvard, Dartmouth, Yale, Princeton, Brown, Pensilvânia, Cornell e Columbia; apenas Rutgers não faz parte desse grupo, por jogar na FBS) e a SWAC, que é composta de universidades criadas para atender à comunidade negra na época em que alunos negros não eram aceitos em todas as universidades, embora hoje em dia muitas delas já nem tenham uma maioria de alunos negros. A SWAC também é a única Conferência da FCS que divide seus times em dois grupos (mesmo contando com apenas dez membros) e realiza uma final entre os campeões de cada grupo, sendo o título de campeão da SWAC bastante prestigiado dentre seus membros.

Os campeões das outras 11 conferências se classificam automaticamente para os play-offs; os demais times, independentemente de a qual Conferência pertençam, são então ranqueados, e os 13 melhores também se classificam, para um total de 24. Na segunda fase, os times são novamente ranqueados, com os oito melhores estreando direto nas oitavas de final, e os demais 16 se enfrentando na primeira rodada. Quais times se enfrentarão na primeira rodada e quem enfrentará quem nas oitavas de final é decidido por sorteio, mas o chaveamento é feito de forma que, se os oito melhores ganharem seus jogos, nas quartas de final o 1 enfrentará o 8 e assim por diante, como na Division II. Como de costume, os jogos até as semifinais são disputados no estádio do time melhor ranqueado, e a final ocorre em campo neutro - desde 2010, ela ocorre no Toyota Stadium, na cidade de Frisco, Texas, estádio do FC Dallas, da MLS. A atual campeã da FCS é a Universidade do Estado da Dakota do Norte, que conquistou esse ano seu quarto título consecutivo, e a maior vencedora é a Universidade do Sul da Geórgia, com 6 títulos, mas que, em 2014, passou a jogar o campeonato da FBS.

Originalmente, o campeonato da Division I FBS não tinha qualquer forma de se determinar um campeão. Isso ocorria porque, ao invés de ter play-offs, a pós-temporada da FBS tem os bowls. A tradição dos bowls começou em 1902, quando a Tournament of Roses Association, responsável pela famosa Parada das Rosas, que ocorre no Dia de Ano Novo na cidade de Pasadena, Califórnia, decidiu patrocinar um jogo entre a universidade mais bem sucedida da Costa Oeste (o "campeão do oeste") e a da Costa Leste (o "campeão do leste"), valendo um prêmio em dinheiro. Quando a NCAA foi criada e passou a organizar o campeonato, esse jogo foi mantido, sempre no dia 1o de janeiro e valendo um prêmio em dinheiro, mas sem que fizesse parte do calendário da NCAA - em outras palavras, era uma espécie de amistoso, não um jogo oficial.

Até 1922, esse jogo era disputado em um estádio conhecido como Tournament Park, mas, como era um estádio pequeno, e a cada ano o jogo atraía mais e mais público, a Tournament of Roses Association decidiu construir um novo estádio, ao qual decidiu chamar de Rose Bowl. A palavra bowl, em inglês, significa "tigela", e o hábito de chamar estádios de futebol americano de bowls começou não com o Rose Bowl, mas com o Yale Bowl, o estádio da Universidade de Yale, que ganhou esse apelido justamente por ter formato de tigela. O Rose Bowl seria batizado em homenagem ao Yale Bowl, mas ele é que popularizaria o nome - graças ao Rose Bowl é que surgiram o Citrus Bowl, o Sugar Bowl e todos os outros bowls, inclusive o Super Bowl, a final do campeonato da NFL, que ganhou esse nome porque era o bowl mais importante de todos.

O Rose Bowl permaneceu o maior evento da pós-temporada do college football até a década de 1930, quando outras cidades começaram a imitá-lo de olho no turismo: em 1935 surgiriam o Sugar Bowl (disputado em Nova Orleans, Louisiana), o Sun Bowl (em El Paso, Texas) e o Orange Bowl (em Miami, Flórida); em 1937 seria a vez do Cotton Bowl (em Dallas, Texas), em 1945 o Gator Bowl (em Jacksonville, Flórida, atualmente chamado TaxSlayer Bowl por razões contratuais de patrocínio), em 1946 o Citrus Bowl (em Orlando, Flórida), em 1959 o Liberty Bowl (em Memphis, Tennessee), em 1968 o Peach Bowl (em Atlanta, Geórgia), em 1971 o Fiesta Bowl (em Glendale, Arizona), e em 1976, no bicentenário da independência dos Estados Unidos, o Independence Bowl (em Shreveport, Louisiana). Depois disso, os bowls se multiplicariam como coelhos, e hoje já temos 39 deles, a maioria nomeada conforme o patrocinador, como o Outback Bowl e o Famous Idaho Potato Bowl. Tradicionalmente, os bowls são disputados em locais quentes, a maioria no sul dos Estados Unidos, pois eles sempre são disputados nas últimas semanas de dezembro ou nos primeiros dias de janeiro, quando no norte já há muito frio e neve, o que prejudicaria não só o jogo mas também a ida dos torcedores para lá. Rose Bowl, Sugar Bowl, Orange Bowl, Cotton Bowl, Fiesta Bowl e Peach Bowl são considerados os mais importantes, e vencê-los - principalmente o Rose Bowl - confere mais prestígio do que vencer os demais - embora vencer qualquer bowl seja considerado uma grande honra para as universidades.

Por mais carisma e importância que os bowls tenham, porém, eles ainda são, na essência, amistosos - até 2002 eles não eram considerados parte do campeonato, e o desempenho dos atletas neles nem era incluído nas estatísticas de suas carreiras. Um dos fatores para isso é que quem escolhe quais times vão participar dos bowls são os organizadores dos próprios bowls - o Rose Bowl, por exemplo, é um embate entre o campeão da Conferência Big Ten contra o campeão da Conferência Pacific-12. Originalmente, apenas times que não tivessem campanhas negativas (mais derrotas que vitórias) na temporada regular podiam participar dos bowls, mas, como hoje são muitos bowls, até mesmo os de campanha negativa, dependendo de sua colocação final na Conferência, acabam convidados - como a Universidade do Estado da Califórnia em Fresno, que, em 2014, teve 6 vitórias e 7 derrotas, mas, mesmo assim, foi primeira no Grupo Oeste e vice-campeã da Conferência Mountain West, o que lhe garantiu um convite para o Hawaii Bowl. Embora os bowls tradicionalmente envolvam times de Conferências, os Independentes também podem participar: Notre Dame possui um acordo com a ACC para participar de bowls que envolvam times dessa Conferência - em 2014, disputou o Franklin American Mortgage Music City Bowl (pois é) - e a Universidade Brigham Young (BYU), também independente, foi convidada para jogar o Miami Beach Bowl contra o campeão da AAC (AAC e ACC são Conferências diferentes, não foi erro de digitação) devido a seu bom desempenho na temporada regular (8 vitórias e 4 derrotas).

Como os bowls coroam apenas o campeão de cada bowl, e não um campeão geral, a NCAA decidiu determinar um sistema para que esse campeão fosse escolhido. Em 1936, ela começaria a usar um sistema de votações, envolvendo técnicos, jornalistas esportivos, jogadores profissionais e outras autoridades no assunto, que escolheriam qual teria sido o melhor time da temporada. Esse sistema foi usado durante anos, e sempre foi alvo de muitas críticas, principalmente por não ser muito preciso ou confiável - de fato, em muitas temporadas uma universidade não concordou com a escolha e clamou para si o título, sem que ninguém conseguisse decidir quem realmente foi o campeão desse ano. Por causa disso, definir quantos títulos cada universidade realmente tem na FBS é bastante difícil.

Após muitos e muitos anos de reclamações e críticas, incluindo alguns nos quais as universidades tentaram inventar uma final por conta própria, no final dos anos 1990 a NCAA finalmente se rendeu, e concordou em criar um jogo para determinar o campeão. Ao invés de um sistema de play-offs, porém, ela criaria um jogo único disputado em campo neutro, o BCS National Championship Game (BCS significando Bowl Championship Series). O critério era bem simples: usando seu sistema de ranqueamento, a NCAA determinaria quais foram os dois melhores times da temporada, ranqueados como número 1 e número 2. Esses dois times se enfrentariam no BCSNCG, e o vencedor seria o campeão. A primeira edição do BCSNCG ocorreria em 1998.

Esse sistema, porém, também foi alvo de muitas críticas, não somente porque muitos não concordavam com a escolha dos dois "finalistas", mas também porque apenas dois times para decidir um título era muito pouco. Então, após mais alguns anos ouvindo reclamações, em 2012 a NCAA novamente se rendeu, e aumentou os play-offs um pouquinho: a partir da temporada de 2014, ao invés de os dois times melhor ranqueados se classificarem, se classificariam os quatro melhores. O 1 enfrentaria o 4 enquanto o 2 enfrentaria o 3 nas semifinais, e os dois vencedores fariam a final.

Diferentemente do que ocorre nas outras divisões, na FBS as semifinais não são disputadas no estádio do time melhor ranqueado: a NCAA determinou que os seis bowls mais famosos, citados ainda há pouco, se revezarão como semifinais. Nessa temporada, foram o Rose Bowl e o Sugar Bowl; ano que vem, serão Orange Bowl e Cotton Bowl; no seguinte, Fiesta Bowl e Peach Bowl; e aí Rose Bowl e Sugar Bowl de novo, e assim sucessivamente. A NCAA também determinou que a final se chamaria College Football Playoff National Championship Game, e que seu local seria escolhido com dois anos de antecedência, com qualquer estádio com capacidade superior a 65.000 espectadores podendo se candidatar, desde que a final não seja na mesma cidade que sediou uma semifinal. A final desse ano, que ocorre daqui a pouco, será no AT&T Stadium, em Arlington, Texas, estádio dos Dallas Cowboys da NFL, entre a Universidade do Oregon, que tenta seu primeiro título, e a Universidade do Estado de Ohio, que tenta o oitavo, segundo desde que foi criada a final.

No papel, a maior vencedora da FBS é a Universidade de Princeton, com 28 títulos (mas o último conquistado em 1950), seguida da Universidade de Yale, com 27 (mas o último ainda mais longe, conquistado em 1927). Como todos esses títulos foram "conquistados" através de votação, muitos deles são contestados por rivais. A terceira colocada em títulos é a Universidade do Alabama, que tem 15, três deles conquistados desde que foi criada a final.
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